Quando não se trata de perdoar.

Já escrevi sobre reconciliação entre pessoas que se desentendem. Defendi o perdão em diversos casos (não em todos, pois ninguém é santo). Volto a esse tema porque tenho observado situações em que, claramente, um atrito não se resolve com perdão. Talvez ele seja até dispensável, pois uma pessoa pode não guardar nenhuma mágoa da outra e, ainda assim, não a desejar mais por perto. O que pode ter havido em um caso assim?

 

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A resposta, para mim, é simples: o encanto passou. Pode-se substituir encanto por admiração, simpatia, respeito (intelectual ou ético), se quiser. Um desentendimento é capaz de trazer à tona tanto características inesperadas (surpresas desagradáveis) quanto esperadas (confirmação de impressões ou suposições). Em ambos os casos, é como se uma máscara caísse, e o verdadeiro rosto não agradasse.

O que fazer em uma situação assim? Forçar-se a conviver com uma pessoa que deixou de despertar admiração ou simpatia ou respeito ou encanto? Fingir e recebê-la de braços abertos quando o coração para ela se fechou? Não se trata de perdoar. Trata-se de não gostar mais como se gostava antes. Como em certas relações amorosas, o sentimento se desgasta e acaba. Aquela pessoa, que um dia desfrutou de seu convívio, que significou algo para você, torna-se quase uma estranha. Não faz mais diferença.

 

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Algumas pessoas culpam quem desiste de um amigo, de uma amiga ou mesmo de um parente, depois de um atrito. Cobram perdão. Cobram tolerância. Cobram paciência. Cobram, cobram, cobram. Não compreendem que não se trata de mágoa profunda, rancor, ódio. Nada disso. Insisto: trata-se de desencanto. Não uso o termo “decepção” porque ele pressupõe expectativa. Entendo “desencanto” como algo mágico (não ilusório) que simplesmente desapareceu. Está mais próximo de desilusão, embora não o entenda, neste contexto, como sinônimo.

O encanto de fato existiu. Teve motivos para existir. Uma pessoa encantou outra com características existentes de fato. O desencanto se deu porque outras características  — desabonadoras — pesaram mais, ofuscaram as positivas. Isso é subjetivo porque vai ao encontro da escala de valores de cada um. O que pesa negativamente, a ponto de se tornar uma incompatibilidade, para uns pode não ter importância para outros.

Compreender isso pode não ser fácil, mesmo para quem toma a decisão de se afastar de uma pessoa ou de redimensionar a relação com ela. Afinal, a sociedade (ao menos a brasileira, que conheço melhor) é uma fábrica de culpa. A cultura judaico-cristã contribui para essa produção em massa de gente culpada por gostar, não gostar, desejar, não desejar, aproximar-se, afastar-se, querer, não querer.

 

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Uma ressalva, porém: há desencantos e desencantos. Se for corriqueiro, o desencanto pode ser sinal de leviandade. Há gente que se desencanta muito facilmente. Há gente que se recusa a conceder uma segunda chance, aquela a que todo mundo merece. Há também quem se afaste por medo (de se apaixonar, para ficar em um único exemplo). Isso não é desencanto que justifique distanciamento, muito menos definitivo. É covardia mesmo.

Aqui me refiro a um desencanto, por assim dizer, legítimo, fundamentado em fatos seguidos, isto é, testemunhos de repetidas situações de desaprovação e desconforto. Casamentos podem terminar por isso, e ninguém tem o direito de cobrar “amor eterno” de pessoas que deram murro em ponta de faca até desfigurar a mão. Há limite para tudo, e quem cobra geralmente não sabe se colocar no lugar da outra pessoa.

Espero que minhas leitoras e meus leitores me compreendam, não me julguem, nem me lancem pragas porque acredito haver situações em que o perdão não é o melhor remédio, até por não existir algo a se perdoar. Trata-se, repito, de desencanto mesmo.

 

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Haveria saída, então, para o desencanto? Penso que sim. “Re-encantar” alguém é possível, mas isso envolve boa vontade de ambos os lados e, claro, memória. Sim, memória. A pessoa que se desencantou precisa lembrar-se de bons momentos, do que a outra pessoa fez de positivo e gratificante, ter certeza de que ainda há afeto sincero da outra parte. Quando se trata de sentimento, existem algumas mágicas. Ainda bem.

 

 

 

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