Lacrar e lucrar.

Sinal dos tempos… Certas pessoas — milhares delas, infelizmente — parecem ter descoberto um novo filão e agora fazem sucesso e faturam alto com algo impensável tempos atrás: patrulhar os outros. Até quando? Não sei. Se dependesse de mim, só até amanhã bem cedo. Adeus, chatas e chatos! Adeus, lacradoras e lacradores!

Suspeito de que essa gente apenas finge ter consciência ambiental, sociocultural, política, econômica. No fundo, no fundo, só quer dinheiro, fama e poder. Passou a vida comendo churrasco todo domingo. De repente, resolveu ser vegetariana — ou vegana — e inferniza a vida de quem come carne. Sempre adorou (e adora) viver em uma metrópole, mas defende a conservação ambiental como se habitasse uma tribo no Xingu. Abraça entusiasticamente causas de direitos humanos — combate ao racismo, ao machismo, à homofobia etc. –, embora pague ou trate mal a diarista, a babá, o porteiro, o motorista de Uber. Ama uma grife, um iPhone, um shopping center, turismo nos EUA, todavia declara voto em partidos socialistas. Por aí, vai.

Calma. Calma. Calma. Ninguém, em juízo perfeito e com um mínimo de humanidade na alma, vê com indiferença as injustiças sociais e a degradação do meio ambiente. Ter esse tipo de consciência é indispensável para se considerar um ser humano digno dessa classificação hoje em dia. O problema está na capitalização dessa consciência, na hipocrisia por trás da fachada de militante. De repente, não mais que de repente, uma horda de artistas (geralmente com pouco talento), influenciadores digitais (com intelecto limitado), jornalistas (carentes de audiência), políticos (sempre eles) converteram-se em baluartes dos direitos humanos e ambientais. Visivelmente, pegaram carona na tsunami politicamente correta que ora varre o planeta.

O diabo é que essas pessoas arrastam outras tantas. Muita gente compra acriticamente o discurso politicamente correto, pois ele inegavelmente cai bem. Quem ousa discordar de quem defende direitos e o direito de ter direitos? Quem ousa ponderar nesse sentido? Quem ousa fazer algum contraponto? Certo. Certo. Alguns corajosos ousam, mas logo são massacrados ou, para usar um termo mais em voga, cancelados. Muitas vezes, quem se arrisca a apontar os exageros dos lacradores e lacradoras de plantão recebe logo o rótulo de fascista (comprovação cabal do exagero que se quer denunciar). Em casos extremos, pode ir parar na cadeia.

Na verdade, nem acho o politicamente correto desprezível, muito menos dispensável. O que mais me incomoda, reitero, é o uso — ou deveria dizer abuso? — que se faz dele. Acho que minha opinião pode ficar mais clara se eu der alguns exemplos.

A imprensa noticiou, em outubro do ano passado, o caso de uma senhora que se recusou a entrar no elevador ao lado do vizinho negro. Deixou claro que o motivo era o fato de ele ter pele escura. Tentou humilhar o rapaz. Esse foi nitidamente um ato racista, além de estúpido, patético e, claro, desumano. Não há como defender essa senhora. Está errada. Ponto final. Não é disso que se trata, porém.

O problema começa quando uma pessoa é grosseira ou truculenta com outra, e nada, absolutamente nada indica com clareza o motivo daquela grosseria ou truculência. Pode ser mau humor, falta de educação, hipersensibilidade, enfim, motivos diversos, mas o alvo daquela grosseria ou truculência é uma mulher ou um gay ou um negro ou um gordo etc. Pronto. Está dado o veredito mais rápido do mundo. A pessoa foi machista ou homofóbica ou racista ou gordofóbica etc. Wait a minute! Como se pode ter certeza da real motivação da agressora ou do agressor? Se não houve indício explícito — ou prova concreta — do motivo da agressão, não se pode nem se deve fazer um julgamento sumário. Onde fica o princípio de presunção de inocência? Não vale mais? E a investigação? Perdeu relevância?

A sociedade está se embriagando de teorias identitárias e de posicionamentos ideológicos e esquecendo que a vida é muito maior que isso. As lacradoras e os lacradores de plantão se apropriam dessas teorias e posicionamentos como urubus sobre carniça. Lacram e lucram (de diversas formas) sob a máscara de justiceiras e justiceiros sociais. É tudo tão espalhafatoso que não deixa dúvidas sobre a falta de sinceridade de suas posições. Não há crítica racional. Só grito, protesto, indignação escandalosa.

O duro é que essa gente tem público. Mesmo quando vira a casaca, como certo youtuber que passou anos esculhambando um determinado segmento político. Um belo dia, acordou para a “terrível injustiça” que vinha cometendo e — voilà! — passou de detrator a efusivo defensor desse mesmo segmento. As pessoas mudam, eu sei. Isso é saudável. Mas da água para o vinho e em relativamente pouco tempo? No mínimo, parece estranho. Nunca fui um seguidor desse youtuber, mas, se o fosse, teria dificuldade para acreditar no que ele diz. Quem me garante que, daqui a alguns anos, ele não voltará a pensar como antes? Essas reviravoltas de posicionamento político são bastante comuns entre parlamentares, por exemplo. Já cidadãos e cidadãs sem vínculo partidário não precisam (ao menos em tese) mudar de lado para se manter no poder. O que os motiva a fazer isso então?

Talvez um leitor ou uma leitora deste artigo pense assim: será que este autor não está com preconceito contra quem ele chama de “lacradores”? Será que não está tirando conclusões precipitadas? Será que não está julgando sem provas? Será que não está incorrendo no mesmo erro que ele aponta nessas pessoas? Considerando-se essa hipótese, recomendo reler o segundo parágrafo deste artigo. Ele aponta um dos critérios para minhas conclusões: a velha incoerência entre discurso e prática. Daí por diante, aponto outros: os exageros e abusos de quem se julga politicamente correto; o juízo sumário, precipitado, sem provas dessas pessoas; o oportunismo; a adoção acrítica de certas teorias; o aparente oportunismo; a maneira espalhafatosa, escandalosa com que se trata certos casos. Minhas conclusões consideram o conjunto da obra, por assim dizer. Tudo aponta para a maldita lacração.

Se eu estiver errado, e essa gente, certa… Bem.. Parem o mundo! Quero descer.

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