Quando a gente pensa em amizade, costuma vir à cabeça a ideia de companheirismo, parceria, cumplicidade, apoio. Raramente ocorrem imagens de dor, abandono, frustração, angústia. A verdade é que numa amizade tudo se mistura. Assim como a maus momentos podem suceder alegrias, expectativas podem trazer decepções. Da mesma forma, aquela agradável sensação de bem-estar pode, de repente, virar profunda angústia. Enfim, amigos podem se tornar meros conhecidos ou mesmo inimigos. O que transforma o vinho em vinagre? Depende. De quê? Eis a questão de que pretendo tratar brevemente aqui, com uma abordagem bem pessoal: a aflição que certos amigos me causaram.

Considero-me sortudo no campo da amizade. Não me faltam amigas e amigos. Digo que tenho sorte, mas, na verdade, ninguém caiu ou cai do céu nos meus braços. Faço minha parte. Invisto nas relações que julgo valer a pena. Talvez a sorte esteja no fato de meu investimento quase sempre dar retorno. No mais, haja suór, haja construção! Relações humanas dão trabalho. Todo o mundo sabe disso.
No que me diz respeito, vejo como mais desgastante numa amizade a tentativa frustrada de abrir os olhos de um amigo. É duro você enxergar o que ele não consegue ou não quer ver. É mais difícil ainda passar pela experiência de ver o amigo se magoar e até se afastar de você justamente porque você está tentando abrir os olhos dele. Às vezes, nada do que você diz ou faz adianta. O amigo quer seguir aquele caminho, e tentar impedi-lo pode ser pior. Muitas vezes, seu alerta até o incentiva a tomar determinado rumo, seja por teimosia, seja pela vontade de provar independência.
Já passei por várias situações assim, mas relatarei apenas duas:
- O amigo se apaixonou por uma pessoa não confiável. Ficou tão cego que preferiu duvidar de minha amizade a acreditar no risco de estar metido em uma roubada. No caso, a cegueira da paixão combinou-se com o amor próprio. Dar o braço a torcer? Jamais! Observar melhor a “pessoa amada”? Nem pensar! E o medo de se decepcionar e cair das nuvens?
- O “brother” descobriu o álcool. Sóbrio, tinha vida admirável. Sob efeito de bebida, convertia-se em um louco. Depois, encantou-se por outras drogas. Ficou pior. Nesse caso, nunca se voltou contra mim (a não ser quando estava à base de “aditivos”, e eu tentava contê-lo), mas simplesmente ignorava meus constantes pedidos para que moderasse. Lúcido, dava-me sempre razão e prometia interromper suas perigosas aventuras, mas, uma vez embriagado, esquecia tudo o que havia prometido. Virava um bicho. Algumas vezes, com muito esforço, eu o contive. Outras, agi em vão. Na mais frustrante delas, voltei sozinho para casa e, apenas muitas horas depois, tive notícias dele. Passei a madrugada em claro, sem saber em que estado ele se encontrava.

É preciso ter muita paciência para suportar situações como essas e outras, que não relatei aqui. Sinto profunda angústia nessas ocasiões. Sinto também frustração, impotência. O que fazer quando um amigo está cego? Desistir de abrir seus olhos? Com o tempo, sim, desisto, mas confesso que essa desistência tem um preço: minha decepção com o amigo e comigo mesmo. Afinal, gostaria de ter sido mais persuasivo, convincente. Bate aquela sensação de fracasso. Tudo isso é realmente angustiante.
Se o amigo quer pagar o preço de namorar ou se casar com uma pilantra, problema dele! Chegará o dia em que a vida lhe abrirá os olhos. Não é assim que a maioria pensa? Levo tempo até chegar a essa conclusão, mas acabo chegando, mais cedo ou mais tarde. Foi assim com um “brother” que não quis acreditar em mim quando o alertei para o fato de a namorada estar, claramente, pronta a aplicar nele o velho “golpe da barriga”. Não me ouviu uma, duas, dez vezes. Desisti. Só depois de, muito a contragosto, ele virar pai, despertou do sono. Por fim, “caiu da cama” quando se deu conta de que a jovem por quem havia se apaixonado queria lhe arrancar todos os centavos do bolso. Paga pensão alimentícia até hoje, embora os dois pombinhos não dividam o mesmo teto.
Sabe o que é pior? Quando o amigo é teimoso, mesmo que você o desculpe, a decepção fica. Até porque o desapontamento vai além do fato de o amigo não ter ouvido você. É também com a inteligência dele que você se decepciona. Afinal, no fundo, no fundo, você esperava que seu amigo fosse mais esperto.

No caso do amigo dupla face (sóbrio/alucinado), a questão é um pouco mais complexa. Você não quer que o sujeito se dê mal. Desistir dele pode significar vê-lo viciado, ferido, abusado, acidentado, preso, trapaceado, roubado ou – bate na madeira! – morto. Tudo pode acontecer com uma pessoa inconsciente. Como virar as costas para um amigo assim? Admito que tenho dificuldade. Prefiro insistir. Se, a despeito de todo o meu esforço, ele preferir continuar fraquejando diante da bebida e de outras substâncias e acabar se dando mal, ele saberá (e eu também) que não foi por falta de boa vontade de minha parte. De toda forma, bate em mim a sensação de estar solitário na amizade, ou seja, remando sozinho, enquanto o outro se deixa levar.
Talvez a leitora ou o leitor esteja se perguntando: “E você? Nunca frustrou amigas ou amigos? Nunca decepcionou? Nunca foi causa de angústia para uma ou mais pessoas de seu círculo?” Para ser sincero, sim. Conheço os dois lados do balcão. Já dei dor de cabeça e já tive dor de cabeça. Por isso mesmo, uso termos como angústia, frustração, decepção. Não cito ódio, raiva, mágoa. Sou do tipo que perdoa com certa facilidade, pois reconheço que, muitas vezes, também precisei de perdão e talvez venha a precisar outras tantas. Em todo caso, tenho me esforçado comigo mesmo também. Acho que dou bem menos trabalho para meus amigos hoje do que dei um dia.
Amo ❤ suas publicações. São profundas e verdadeiras. Sempre tenho a mesma impressão quando as leio. Gostaria que fosse o blog mais lido do mundo e as pessoas se humanizassem mais.
Obrigado, querida.
Relações humanas são mesmo complexas, mas muitas vezes a pessoa precisa mesmo traçar seu caminho para seu próprio crescimento. Mesmo a gente não querendo ver a pessoa em determinada situação, ela precisa de viver.