Como você se sente quando uma pessoa diz ou dá a entender (de diferentes formas) que você está a fim dela, e você não está? Eu me sinto incomodado. Em primeiro lugar, porque se trata de um erro. Não estou romanticamente interessado na pessoa. De onde ela tirou isso? Em segundo lugar, porque eu me responsabilizo, mesmo que parcialmente, por ter passado uma falsa impressão. Onde foi que errei?
Tento, então, compreender o problema. Há pessoas presunçosas. Há pessoas mal-acostumadas. Há pessoas carentes. Há de tudo. As presunçosas, claro, veem-se mais cativantes do que realmente o são. As mal-acostumadas navegam no piloto automático: habituadas à corte de muita gente, acham sempre que gestos de afeto ou de generosidade têm necessariamente uma segunda intenção, ou seja, conquistá-las romanticamente, sexualmente ou ambos. Na prática, presunção e conclusão apressada caminham de braços dados. Já as pessoas carentes, não habituadas a gestos afetuosos, logo os interpretam como interesse romântico.
Apesar de meu incômodo, não condeno ao desterro quem alimenta suspeitas equivocadas. Afinal, quem nunca desconfiou de que uma pessoa de seu círculo estava sentindo algo além de coleguismo ou amizade? Esse tipo de pensamento provavelmente já ocorreu à maioria das pessoas. O que fazer diante dessa suspeita é a questão.
Muita gente faz testes. Muita gente se mantém em guarda, quieta, observando, à espera de um indício mais contundente ou de uma prova cabal. Muita gente prefere guardar a suspeita no fundo do baú, deixar para lá, dar tempo ao tempo. Afinal, quem procura acha. Melhor não “caçar confusão”.
Naturalmente, há quem combine todas ou algumas das reações acima — ou acrescente outras ou opte por bem diferentes dessas. Há mesmo extremistas e covardes que preferem se afastar antes de descobrir a verdade, seja ela qual for. Há até quem desenvolva paranoia e passe a enxergar paixão onde talvez só haja compaixão. Se há uma espécie rica em variedade de comportamento, é a humana!
Perguntar à queima-roupa “você está a fim de mim?” costuma ser a última opção. De fato, tal atitude envolve riscos, entre eles o de perder a amizade ou, no mínimo, a confiança de quem só esteja mesmo sendo gentil.
Como mensurar excesso ou escassez de gentileza? A tal medida certa é subjetiva. Vou além. Ainda que o excesso salte aos olhos, sem muito espaço para dúvida nesse sentido, o que o motivaria? Talvez a pessoa seja assim com todo o mundo. Talvez tenha algum problema de autoestima ou de culpa e sinta necessidade de agradar o tempo todo. Talvez tenha recebido formação voltada para o altruísmo. Sabe-se lá!
Quando se trata de agrados materiais, por exemplo, não seria o caso de a outra pessoa, alvo da suspeita de sentir mais que amizade, apenas compartilhar e doar tanto simplesmente porque tem de sobra? Cabe lembrar que excesso e escassez são, muitas vezes, conceitos relativos. O que é muito para uma pessoa pode ser pouco para outra e vice-versa. Como saber? Como ter certeza?
Eu poderia escrever mais sobre esse assunto. Tenho certa experiência no ramo. Por ora, me contento, porém, com balançar o tripé desconfiança-reação-motivação. O tema dá pano para manga. Pode envolver desde os complexos de superioridade e de inferioridade até a sensibilidade aguçada de quem enxerga além da média. Afinal, é sempre possível a suspeita ter respaldo na realidade. Seja como for, minha conclusão é sempre a mesma: o benefício da dúvida é tanto um direito quanto um dever.
Seus textos são muito interessantes, mostra várias faces de uma questão para serem
refletidas.
Você é sempre uma leitora fiel — e inteligente.