Entre duas pessoas, é preciso haver miolo. Como assim? Ele me explicou: em um relacionamento a dois, não basta que um e outro estejam juntos e se curtam. É preciso haver algo no meio que permita essa ligação (dá até para usar a palavra “liga” também). Mais: esse “miolo” acaba sendo o que sustenta a relação. São afinidades, referências e valores comuns a ambos. Assim compreendi o que ele me disse.
A gente estava conversando, claro, sobre relacionamentos. Era a primeira vez em que eu relatava a ele minhas vivências nesse campo. Ele já havia me contado sobre sua atual relação com a namorada. Naquele momento, não entrei em detalhes desnecessários. Ele tampouco. Na verdade, a prosa seguia um rumo que muito me agrada: uma espécie de teorização (no melhor sentido possível desse termo) sobre relacionamentos a dois. Nada de exposição indiscriminada de intimidades, com direito a narrativas picantes. Afinal, a gente se conhece há pouco tempo. Esse tipo de diálogo mais escancarado, penso eu, só cabe entre amigos de longa data.
Foi nesse contexto que ele trouxe à luz a ideia de “miolo”. Gostei da analogia, não porque seja extremamente original ou criativa, mas simplesmente porque funciona. Pensei logo em um sanduíche sem recheio. Realmente, não faz sentido; assim como um pão sem miolo. Quem quer comer só a casca? É… Há gente que só aprecia a casca – tanto no sentido literal quanto no figurado. No literal, está bem. Compreendo. Já no figurado… Quem só quer a casca me parece, no mínimo, superficial.
Depois que ele me disse isso, não resisti a repassar mentalmente várias de minhas relações. Concluí que ele está certo – pelo menos, no meu caso. Muitos relacionamentos que tive não vingaram porque faltou o tal miolo. Havia duas pessoas que se sentiam atraídas uma pela outra, queriam estar juntas, gostavam-se mutuamente, mas isso foi insuficiente para sustentar a relação, pois as afinidades, referências e valores (entre outros fatores importantes) ou não eram os mesmos ou não se encaixavam o bastante para manter a “liga”. O relacionamento assemelhava-se a dois tijolos unidos, porém sem qualquer camada de cimento. Estavam soltos. Não poderiam mesmo se manter colados por muito tempo. A separação era inevitável.
Decidi que, de agora em diante, vou procurar observar se, em minhas relações, sobretudo em seu início, há “miolo”. Para muita gente, isso deve ser óbvio. Curiosamente, porém, nunca o foi para mim. Claro que sempre levei em consideração as afinidades. Sem embargo, elas jamais foram determinantes. Não pesaram o quanto deveriam pesar. Aqui, aliás, cabem parênteses.
Por que nunca valorizei muito o tal “miolo”? Pela simples razão de que procuro evitar preconceitos. Prefiro apostar nas descobertas pouco a pouco. Isso vale para afinidades, referências, valores etc. Gosto de pensar que, entre duas pessoas, pode haver semelhanças inesperadas, gratas surpresas. Isso é fato, aliás.
De qualquer forma, tenho de dar razão a meu amigo, pois, com o passar do tempo, se não houver “miolo” ou se ele for insuficiente, a relação não tem futuro. Para quem busca um relacionamento duradouro (mesmo que não seja “até que a morte os separe”), parece-me que o miolo, o cimento, a liga ou o nome que se prefira dar à substância que une duas pessoas (além do sentimento) faz toda a diferença. Cascas viram migalhas. Como se sabe, elas não matam a fome.