Circula mundo afora o célebre comentário de Jean-Paul Sartre, o filosofo francês, segundo o qual “o inferno são os outros”. Embora ele não estivesse condenando as relações com os outros em si mesmas – algo que ele fez questão de esclarecer depois que a frase adquiriu sentido diferente do que ele pretendia – é fato: o outro ou os outros, aqueles diferentes de nós mesmos, fora de nós, mesmo quando perto de nós, são um desafio cotidiano.

São os outros que nos vestem, educam, obrigam a falar. Afinal, se vivêssemos sem os outros, como em uma ilha deserta, só nos vestiríamos quando sentíssemos vontade ou necessidade; só teríamos modos se quiséssemos; só falaríamos se estivéssemos angustiados ou loucos. São os outros que nos movem na maior parte do tempo. Pelos outros, adotamos esse ou aquele comportamento. Os outros são nossos patrões de certa maneira.
Acontece que também somos os outros para os outros. Nossos familiares, amigos, colegas, conhecidos, até desconhecidos nos vêem como outros. Também esperamos ou exigimos deles atos, gestos, posturas, comportamentos. Somos patrões deles de certa forma. Contribuímos para que a vida deles seja o paraíso ou o inferno ou uma confusa mistura de ambos, tal e qual eles também contribuem para que nossa vida seja o céu ou o purgatório ou algo entre os dois.
Feliz ou infelizmente, existe o outro, existem os outros. Temos de lidar com eles. Precisamos deles. Muitas vezes, gostamos deles. Dependemos deles.
Nessa complexa relação, o que mais chama a atenção está justamente em um paradoxo: ao mesmo tempo em que os outros se fazem presentes em nossas vidas, nós parecemos nos esquecer de que eles são outros, não nós. Tendemos, muitas vezes, a achar que eles são extensão de nós. Não lembramos que têm necessidades, gostos, vontades diferentes. Por isso mesmo, são outros. Não são cópias de nós.
Essa evidência nos escapa freqüentemente. Queremos que os outros nos compreendam como se fossem nós mesmos. Queremos que os outros nos atendam, nos sirvam, nos obedeçam, nos agradem como se eles não tivessem a si mesmos para atender, servir, obedecer e agradar.
A arte da boa convivência talvez esteja tanto na visão quanto na memória: olhar e ver o outro e lembrar-se de que não existe identidade completa entre nós e ele. Às vezes, há mais diferença que semelhança, apesar de pertencermos à mesma espécie.
Respeitar o outro, a diferença do outro, a distância entre nós e o outro, tudo isso só pode ajudar a conviver com o outro — sem cobranças, sem pressões, sem expectativas, sem frustrações, sem atritos profundos. Afinal, esperamos isto do outro também: que ele nos respeite enquanto… outro!

Assim, não há por que o outro ser um inferno. O outro não precisa tampouco ser um céu. O outro pode ser apenas o diferente, o que torna o mundo e nossa vida mais ricos. Isso basta. Ou deveria bastar.
Muito bom o texto, como sempre, e revela uma verdade que esquecemos muitas vezes é que somos diferentes, cada ser é peculiar. O respeito a individualidade do outro é esquecida, porque o nosso ego fala mais alto.
Você deveria imprimir seus artigos e já começar a publicar. Você é um escritor nato, já dizia sua professora de português, quando ainda fazia o ensino fundamental. Siga adiante.
Dilza
A Filosofia descomplicada. Parabéns!
ótimo! concordo plenamente.
Perfeito, belo e em geral difícil de se praticar, este exercício, Luciano. A experiência vai nos dando algumas luzes acerca do assunto e, passo a passo, pouco mais ou menos, vamos conseguindo nos distinguir do ‘outro’, que – ao fim e ao cabo – temos muitas vezes como espelhos de nós mesmos, daí a nossa necessidade de nos sentirmos pertença dele ao mesmo tempo em que o julgamos parte nossa. Sempre seremos nós mesmos, a partir de expectativas nossas, entregues voluntariamente nas mãos do outro.
Beijo!
Concordo, Cláudia. Como confessei a uma amiga, o texto está na primeira pessoa do plural não por modéstia, mas porque, sinceramente, enfrento a mesma dificuldade que exponho no artigo. Grato por sua leitura e comentário. Bjs.
Aplausos!
Valeu, Zildete! Lidar com o outro é difícil para todos nós, mas seguimos tentando. Bjs.