Quer conhecer melhor o brasileiro? Preste atenção na audiência das telenovelas, especialmente as das 21 horas.
Por que algumas atraem e prendem milhões de telespectadores? Por que outras, aparentemente com tudo para dar certo, são um fiasco de público? Acredito que essa variação de audiência diga algo sobre o brasileiro médio.
Tomem-se dois exemplos recentes de êxito: “Avenida Brasil” e “Amor à Vida”. São telenovelas bem diferentes, mas que deram (e dão) o que falar. Entre elas, um sucesso apenas relativo (ou quase fracasso): “Salve Jorge”. As três foram (uma delas ainda vai) ao ar na TV Globo de segunda a sábado no horário nobre (21h), o que favorece a comparação.
“Avenida Brasil” encantou principalmente por dois motivos: 1- a disputa ultra-acirrada entre a protagonista (a justiceira Nina/Rita, de Débora Falabella) e a antagonista (a inesquecível Carminha, de Adriana Esteves), que eletrizou a trama do início ao fim, e 2: o ambiente festivo e fogoso do fictício bairro do Divino, que retratava a chamada “nova classe C” ou “nova classe média”.
Em “Amor à Vida”, ainda no ar, um fator para o êxito sobressai: a vilania ao mesmo tempo inescrupulosa e divertida de Félix, o personagem de Mateus Solano. Não há uma disputa explícita, como em “Avenida Brasil”, mas a presença de um vilão forte, bem definido, no limite do caricato, certamente alavanca a audiência, que gosta de ver “o circo pegar fogo”.
Tanto a Carminha de “Avenida Brasil” quanto o Félix de “Amor à Vida” são vilões marcantes, exagerados, que o telespectador não leva muito a sério. Afinal, são incomuns e improváveis fora da ficção. Até lembram pessoas reais, mas dificilmente existiriam de fato. Ou pelo menos não exatamente como na novela.
Se os sucessivos golpes de Carminha parecem difíceis (ainda que não totalmente impossíveis) no mundo real, a revanche de Nina/Rita, mais ainda. O malabarismo da vingança da moça só faria sentido mesmo no mundo ficcional.
“Salve Jorge”, por sua vez, parecia querer levar a proposta realista-naturalista a sério. Mas, pretensiosa, escorregou o tempo todo na tentativa. Até que a vilã Lívia Marini, personagem de Cláudia Raia, e sua corja de traficantes de mulheres eram relativamente verossímeis, assim como a protagonista Morena, de Nanda Costa. De qualquer forma, ninguém emplacou. Telenovelas não podem se levar a sério demais.
O que se pode inferir do comportamento do público diante do desempenho dessas novelas? Aparentemente, o brasileiro faz questão de humor, mesmo em situações dramáticas (talvez até nas trágicas!). O brasileiro médio de hoje em dia não quer telenovela com pretensão a “docudrama”. Quer se comover, mas também quer rir. Afinal, não é esse o mesmo brasileiro que faz piada de tudo? Não é esse o mesmo brasileiro que zomba da própria desgraça?
É esse brasileiro fanfarrão — com tudo de bom e de ruim que possa haver nisso — que se senta diante da TV às 21h e assiste a uma telenovela disposto a se esquecer dos dramas do próprio cotidiano e daqueles que acabou de ver no Jornal Nacional. Alienado? Ingênuo? Ignorante? Não sei. Não creio. Bem-humorado, com certeza!
Bem notado. Não tenho acompanhado as novelas mexicanas e colombianas para comparar, mas acho que estamos nos diferenciando dos demais latinos nesse ponto. Por outro lado, estaríamos (brasileiros em geral) perdendo a capacidade de perceber e sentir o drama? Outro dia estava numa peça de teatro, super dramática, e as pessoas davam risadas nos momentos mais tensos. Já notei isso nos cinemas também. Acho que merece uma psicanálise!
Como sempre vc faz ótimos comentários sobre as telenovelas, vale a pena refletir!