Debate na rede. Fígado na cabeça.

Um dos riscos de participar de debates nas redes sociais é perder amigos. Ou fazer inimigos. Muitas vezes, o que deveria ser oportunidade de se aprofundar em um tema acaba em briga e mágoa.

Os mais rancorosos rompem de vez com quem os contraria. Excluem o amigo ou conhecido de sua relação de contatos. Às vezes, chegam ao extremo de bloqueá-lo. Os menos agressivos geralmente se contentam em se afastar temporariamente de quem os ofendeu. Raramente se vêem pedidos públicos de desculpa.

Poucos realmente encaram um debate como intercâmbio de idéias, opiniões, informações, o qual só faz sentido se houver divergência. Se todos pensassem o mesmo sobre todos os assuntos, não haveria por que debater. Aliás, esse raciocínio vale para qualquer debate – inclusive fora da internet.

Dislike

Claro que, apesar de saber disso, já me meti em algumas encrencas na rede. Perdi a paciência ante posições que me pareceram absurdas, indefensáveis. Via de regra, porém, evito as polêmicas, ou melhor, os temas mais candentes.

Sempre me arrependo quando cedo à tentação dos debates nas redes sociais. Até porque elas não me parecem ser o espaço ideal para o confronto sadio de idéias. Falta o contato cara-a-cara. Falta o olho-no-olho. Faltam o tom de voz, os gestos, os olhares que complementam o discurso — quando não o substituem!

Os chamados “emoticons” e onomatopéias do tipo “kkkkk”, “hahahaha”, “rsrsrs” reduzem bastante a margem de atrito, mas não afastam de vez o risco do mal-entendido. Como identificar, por exemplo, a ironia, a brincadeira, a provocação? Como distinguir intenções? Como lidar com a chamada polissemia de palavras e discursos?

Há termos com múltiplos significados. Há significados ocultos. E há simplesmente o absurdo, quando o interlocutor abre mão de significados correntes e de qualquer lógica discursiva.

 Emoticons

Mais: como se certificar do estado emocional do outro debatedor? Está realmente nervoso ou aquele é o jeito dele de se expressar? Se está irritado, qual seria seu grau de irritação? Aquele amigo do amigo está de fato empolgado com o debate ou só quer jogar lenha na fogueira, por zombaria?

Se um debate frente a frente já representa um desafio e tanto, em termos de interpretação do discurso do outro, imagine-se o debate a distância, em um espaço público, geralmente sem mediação, foco e concentração (o debatedor emite uma opinião enquanto fala ao telefone, vê a novela ou baixa um vídeo no computador). Pior: sem espaço, tempo e “clima” para a devida elaboração do pensamento.

Na hora de defender a própria opinião, o debatedor mais aguerrido se esquece de tudo isso. Levanta sua bandeira e segue resoluto sobre seus adversários, tal qual a Liberdade Guiando o Povo, na célebre pintura de Delacroix.

"La Liberté Guidant le Peuple" (A Liberdade Guiando o Povo), pintura de 1830, de Eugène Delacroix.

“La Liberté Guidant le Peuple” (A Liberdade Guiando o Povo), pintura de 1830, de Eugène Delacroix.

Para alguns, vencer o debate é mais importante do que ter razão – ou preservar a razão (no sentido de racionalidade). Nesses, o “fígado” sobe à cabeça. Podem até dar a última palavra, mas perdem um amigo – ou vários. Terá valido a pena?

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2 respostas para Debate na rede. Fígado na cabeça.

  1. Luciano, o debate é forma de expressão. É permitido, como você diz, discordar, porém para isso é preciso tolerância. É possível mudar de idéia, mas para isso é importante abertura, flexibilidade e humildade. A gente pode até se permitir parar, mesmo que por algum tempo; afastar-se, refletir sozinho, deixar a chateação com o outro que “pensa diferente” passar, mas a gente não pode se permitir parar de crescer. Parabéns pela reflexão!

  2. Dilza Simas Milhomem disse:

    Eu acho que as redes sociais não são para trocar “farpas”, ironizar, mas um lugar para a gente
    encontrar os amigos, e saber o que anda acontecendo no nosso universo. Também não é lugar para justificativas sobre nossa maneira de agir ou de dar indiretas. Sou a favor do compartilhamento, de curtir as boas fotos, e comentar com educação e carinho o que foi publicado. Podemos discordar, porque as pessoas não pensam exatamente igual, cada um tem seu ponto de vista., mas com educação e cuidado.
    Quando eu não gosto não curto e nem comento. Parabéns pelo texto.

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