Telenovela e política. Isso mesmo!

Se a gente pensar bem, praticamente tudo é político neste mundo.  Algumas pessoas, produtos, situações e fatos, porém, são mais políticos que outros. Refiro-me à política no sentido de relações de poder, especialmente as que envolvem o Estado e o governo do Estado e de seus cidadãos.

Telenovelas são produtos curiosos nesse sentido. Sob um olhar apressado, elas podem parecer politicamente irrelevantes. Uma observação mais atenta, porém, permite ver nelas, no mínimo, um respeitável potencial de formar opinião. Em outras palavras, pode-se admitir certo componente político nas telenovelas brasileiras.

A fama de alienadas das telenovelas vem de longe e, de certo modo, se justifica. De fato, as primeiras obras desse gênero tinham como foco principal (senão único) o amor romântico. Questões políticas, mesmo quando relacionadas ao romance, eram periféricas, diluídas.

Cinderela: salva da pobreza por um príncipe encantado.

Cinderela: salva da pobreza pelo príncipe encantado.

O mocinho rico apaixonado pela mocinha pobre era um clichê que não intencionava qualquer reflexão política. Conflitos desse tipo resolviam-se pelos caminhos do coração. Não se questionava o status quo. Gata borralheira virava Cinderela graças à generosidade do príncipe, e assunto encerrado.

Isso mudou, ao menos em parte. O clichê persiste, mas não segue mais o padrão à risca. Para sobreviver às mudanças do mundo, as telenovelas foram a elas se adaptando.

O grande salto deu-se quando o Brasil assistiu a sua primeira “novela-verdade”, “Beto Rockfeller”, exibida na extinta TV Tupi entre 1968 e 1969. Era o começo do fim das novelas super-açucaradas, verdadeiros contos de fada, com tramas até em países imaginários, distantes da realidade brasileira.

Revista chamava atenção para a mudança...

Revista chamava atenção para mudança de rumo com “Beto Rockfeller”.

Curiosa e paradoxalmente, foi no auge da ditadura que o Brasil rompeu com o primado do padrão romanesco em suas telenovelas.

Décadas depois, os brasileiros vêem de tudo nas tramas da TV, mas nenhuma delas, por mais absurda que seja, ousa ignorar por completo o que ocorre no mundo de seus telespectadores. Eis onde entra a política…

“Amor à Vida” é um caso no mínimo curioso nesse aspecto. A novela das 21h da Globo, de elevada audiência, parecia pouco preocupada com as manchetes político-econômicas do dia. Mostrava-se mais interessada em questões ligadas à homossexualidade masculina (o preconceito contra homossexuais, a paternidade em um casal gay, o casamento de fachada), com ênfase na dimensão privada das relações.

Houve guinada repentina na trama de Walcyr Carrasco. Recentemente, “Amor à Vida” passou a ocupar-se de temas como tratamento psiquiátrico no Brasil, carência de médicos na periferia das grandes cidades (qualquer coincidência com a execução do programa Mais Médicos, do governo federal, não deve ser mera coincidência) e corrupção nos negócios – cada um desses tópicos com direito a discursos inflamados, persuasivos, quase panfletários.

Em "Amor à Vida", César faz discurso inflamado contra corrupção.

Em “Amor à Vida”, o personagem César faz discurso inflamado contra corrupção.

Volta e meia, telenovelas dão o que falar justamente porque abordam questões polêmicas. De um jeito atabalhoado, às vezes caricato, quase sempre simplificado, elas assumem os riscos de levar assuntos de maior relevância política a um público que está diante da TV para se divertir.

Bem ou mal, o fato é que levantam poeira. O impacto disso na vida política do país não se sabe ao certo, mas certamente há algum. Contribuir para formar opinião é o mais provável. Talvez não o único. Voltarei a este tema.

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Uma resposta para Telenovela e política. Isso mesmo!

  1. Dilza Simas Milhomem disse:

    Muitos médicos estão achando que a Rede Globo está contra eles e não contra o governo, porque a Globo é comprada, etc… etc..

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