Amor à audiência, desprezo à realidade e diversão garantida.

Faz bem a Globo ao lembrar, nas vinhetas de abertura de suas telenovelas, que elas pertencem ao núcleo do entretenimento. Afinal, a prioridade delas não é educar, noticiar, promover reflexões, embora possam voluntária ou involuntariamente contribuir para isso. Essa proposta de ênfase na diversão se aplica ainda melhor a “Amor à Vida”, mais recente novela das 21h da emissora. Não se pode nem se deve levar nada ali a sério.

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Por mais que capriche nos cenários e figurinos, e alguns atores e atrizes dêem mais uma vez prova de seu talento, “Amor à Vida” zomba da realidade. O mundo real está, de fato, repleto de coincidências, mas as da novela são tão improváveis que beiram o impossível – como o antagonista Félix (Mateus Solano) ter lançado a própria sobrinha recém-nascida numa caçamba no meio da rua e o protagonista Bruno (Malvino Salvador) tê-la encontrado justamente poucas horas depois de ter perdido mulher e filho numa mesa de parto.

Se o pontapé inicial da trama foi uma literalmente incrível coincidência, as conseqüências disso, envolvendo Bruno e a mãe do bebê, Paloma (Paolla Oliveira), foram ainda mais improváveis. Absurdo semelhante foi a história ter dado um salto temporal de doze anos e a vida dos personagens praticamente não ter mudado. Foi como se Walcyr Carrasco, o autor, tivesse apertado a tecla “pausa” e retomado o enredo exatamente de onde o interrompeu. Nenhum personagem – exceto as crianças – envelheceu na aparência!

Bruno, viúvo jovem, simpático, bonito, passou mais de uma década sem uma namorada. No mesmo período, Paloma, jovem, simpática, linda, tampouco encontrou um substituto para seu grande amor, Ninho (Juliano Cazarré). E a doutora Glauce (Leona Cavalli) guardou-se em vão, por doze anos, na esperança de conquistar Bruno, por quem arriscou o próprio nome e o direito de exercer a medicina. Ao longo de todo esse tempo, nunca declarou seu amor.

Mateus Solano como o vilão Félix.

Mateus Solano como o vilão Félix.

Curioso também é o fato de Edith (Bárbara Paz) flagrar o marido Félix com seu jovem amante, quase se divorciar dele, decidir manter o casamento por um misto de amor e dependência financeira e, passados doze anos, o casal não se referir a nenhuma nova traição dele. Félix conseguiu enganar a mulher por todo esse tempo? Ou será que se conteve? Difícil acreditar na segunda hipótese. Mas a primeira também parece improvável depois de o vilão ter despertado a desconfiança da mulher – até porque Edith continua a bisbilhotar a vida do marido, temerosa de passar novamente pela humilhação de vê-lo nos braços de algum garotão encorpado.

Furos à parte, “Amor à Vida” tem surpreendido positivamente até os mais desconfiados de Walcyr Carrasco. Afinal, a novela anterior do autor, “Morde & Assopra”, de 2011, ultrapassou os limites do ridículo com uma trama que misturava humanos, vaca e robôs e, de quebra, gerou acusação de plágio por parte de outro autor de novelas da emissora, Aguinaldo Silva, à época no ar com “Fina Estampa”. Estreante no horário das 21h, Carrasco parece estar aproveitando bem a oportunidade atual.

Até agora, “Amor à Vida” tem tido ritmo, ação e emoção suficientes para seduzir o telespectador. O vilão Félix vem magnetizando o público ao combinar crueldade extrema e humor cáustico. Seus comentários e sua franqueza cortante – na linha de um Dr. House – correm o país via redes sociais. Seus contrapontos – a irmã Paloma e o pai César (Antonio Fagundes) – ainda não conquistaram a mesma dimensão na trama, nem parecem ter potencial para isso, e Félix está com tudo para se manter o carro-chefe da novela.

Tatá Werneck na pele da periguete Valdirene.

Tatá Werneck na pele da periguete Valdirene.

Se não cansar o público com suas trapalhadas, a “periguete” Valdirene (Tatá Werneck) também poderá manter acelerado o ritmo de “Amor à Vida”. A filha da ex-chacrete Márcia (Elizabeth Savalla) tem tido fôlego para puxar o núcleo humorístico da novela, junto com a mãe e seu único fã, Carlito (Anderson Di Rizzi), praticante risível do gerundismo. Valdirene é pretexto, também, para que “Amor à Vida” abra espaço a convidados especiais, do tipo que alavanca audiência, como o jogador Neymar (o qual Valdirene tentou agarrar pelado num quarto de hotel) e o cantor Gusttavo Lima. Afinal, o sonho da jovem é se casar com um homem rico e famoso.

Se é entretenimento que a Globo quer oferecer, é entretenimento que o consumidor tem tido. Até o momento, pelo menos, o espectador de “Amor à Vida” não tem do que se queixar.

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