Patrulha política.

No Brasil, tenha ou não candidato ou candidata à Presidência da República, à Câmara dos Deputados, ao Senado Federal, ao Governo do Estado ou do DF ou a qualquer outro cargo eletivo, você tem o direito a manter seu voto em sigilo, até porque, por lei, o ato de votar é secreto. As pessoas aqui podem manifestar suas preferências eleitorais ou optar por guardá-las para si, e ninguém, na cabine de votação, pode fiscalizar sua escolha. Há, no entanto, quem tenha restrições a esse direito e exija abertamente posicionamento político.

Para muita gente, o silêncio na política é ofensivo, principalmente nas eleições deste ano, que muitos especialistas consideram acentuadamente “polarizadas”. Cobra-se, no mínimo, que você declare em quem não vai votar, e essa cobrança nem sempre é sutil. Pode até ser agressiva. No caso de celebridades, ganha tons de ameaça, desprezo, boicote. A cantora Anitta que o diga!

Posso compreender essa cobrança, mas discordo dela. Em primeiro lugar, porque é, de fato, um direito (independentemente de estar na lei) da pessoa optar por manter seu voto em sigilo. Em segundo, porque, justamente em vista da tal polarização, parece-me razoável muita gente preferir não entrar em briga. Em terceiro, sinto cheiro de autoritarismo quando alguém se acha no direito de cobrar posicionamento político. Um dia, isso se chamou patrulha ideológica. Patrulha, sabe-se, não combina com liberdade.

Compreendo a cobrança no sentido de que, no atual momento político brasileiro, a defesa de determinados direitos faz diferença. Nada impede, porém, uma pessoa de continuar defendendo esses direitos e, ainda assim, manter seu voto em sigilo. Vou mais longe. Por que uma pessoa tem de necessariamente escolher esse ou aquele candidato, essa ou aquela candidata, para provar algo a alguém ou a um grupo? Chega a ser curioso e até paradoxal — ou talvez sintomático mesmo — que essa patrulha se dê justamente quando mais se discute democracia e, muitas vezes, por quem mais usa essa palavra.

 

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Vale lembrar que a questão de se posicionar em público tem dois aspectos: 1) a pessoa pode não se manifestar publicamente e fazer isso em um círculo íntimo, com quem se sinta mais à vontade, portanto não se trata de alienação, mas de discrição, reserva ou algo semelhante; 2) não escolher é uma escolha, então perde sentido a acusação de “isentão” ou “isentona” para quem optou por não escolher, afinal, na maioria das assembleias e espaços similares, há sempre a alternativa da abstenção, justamente para contemplar aqueles que estão em dúvida ou recusam as opções apresentadas. Parece-me legítimo, portanto, recusar-se a votar ou a declarar o voto.

Por último, permito-me fazer uma crítica ao comportamento bovino. O fato de haver duas, três ou quatro manadas, pouco importa. Parece-me “bovino” seguir uma delas por obrigação. Quem quiser ir só, em silêncio, “na sua”, deve ter esse direito. Ponto.

 

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Quando se trata de política, você, hoje um eleitor ou uma eleitora, amanhã vai ser uma espécie de cúmplice de seu candidato ou de sua candidata. Porque ele ou ela inevitavelmente vai errar, vai fazer besteira. Claro que também vai acertar. Mas você pode achar, aqui e agora, que são bem mais elevadas as chances de os candidatos ou as candidatas “do cardápio” errarem do que de acertarem. Daí, não quer ver nenhum ou nenhuma no palco político. Direito seu. Ponto final.

O verdadeiro democrata respeita escolhas — sem patrulhamento, sem imposições.

 

 

 

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