O medo de ser feliz no amor.

Meu amigo A sofre de um estranho mal. Ele tem medo de ser feliz no amor. Parece até clichê dizer isso, mas é fato. Não há outro diagnóstico possível no caso dele. A teme a felicidade no amor. Então, ele se esconde atrás de uma barricada de ilusões ou de problemas (inclusive imaginários) e, assim, se autoboicota. Se a felicidade amorosa bate à porta dele, faz de conta que não ouve ou manda dizer que não está.

Já testemunhei a autossabotagem de numerosas vezes. Ele até começa bem. Tudo parece indicar que finalmente terá uma trégua nos contratempos da vida afetiva e experimentará uma longa sequência de dias felizes. Pena que, semanas depois, ele esteja, de novo, mergulhado em algum tipo de aflição. Masoquismo? Não creio. Acredito mais em medo mesmo. prefere o conforto (!!!) do sofrimento na solidão ao risco de ser feliz com alguém e perder essa felicidade mais adiante.

 

 

Na cabeça dele, consciente ou inconscientemente, há lucro onde não há prejuízo. Assim, ele se mantém em sua zona de conforto, que está longe de ser ruim, mas que não o permite experiências mais ousadas e, de certa forma, mais profundas. Nesse espaço existencial seguro, estão amigas, amigos, familiares mais chegados, colegas de trabalho em quem ele aprendeu a confiar, além de bens materiais, como casa confortável, carro novo, viagens, entre outros prazeres que o dinheiro pode comprar.

Paradoxalmente, busca a felicidade no amor. Permite-se isso. Mas a autossabotagem o leva a ver problemas onde não existem ou a maximizar os que existem. Alimenta paranoias. Cultiva neuroses. Dá margem a atritos. Abre, dessa forma, a porta de um cemitério imaginário e acolhe todos os fantasmas que saem dali. Por fim, engolfado em sua perturbação, deixa escapar oportunidades preciosas de viver lindos romances.

 

 

O que o leva a isso? Trauma? Baixa autoestima? Ambos? Não sei. Sou amigo de A, não seu psicoterapeuta. Tenho dificuldade para dizer o que vem antes e depois, isto é, se algum trauma o impede de ter certas experiências ou se ele “sempre” foi assim e, por isso, acabou se traumatizando. Afinal, parece haver aí um círculo vicioso: sofre por não experimentar a felicidade, e essa frustração, por sua vez, o perturba tanto que o impede de ter essa vivência de profunda satisfação com a vida. Onde tudo começa afinal? Por quê?

Conheço o desfecho até aqui. A vive pela metade. Mesmo que essa metade seja uma festa, continua sendo uma metade. Ele não atravessa para o outro lado. Olha para ele. Sente vontade de explorá-lo. Ensaia caminhar naquela direção, mas se detém e acaba retornando à banda onde sempre viveu, a tal zona de conforto. Claro está que não amadurece ou amadurece menos do que poderia, e isso afeta diferentes campos de sua vida. Curiosamente, ele mal se dá conta disso.

 

 

A confunde maturidade com velhice. Sua “Síndrome de Peter Pan” praticamente o congela em uma adolescência interminável. Ele resiste a amadurecer, como se isso fosse retardar seu envelhecimento. Parece nāo se dar conta de que há jovens amadurecidos e idosos infantis. A maturidade não prescinde de certas experiências pessoais. Sem elas, como se sabe, as pessoas ficam numa espécie de limbo, de área de intersecção entre o mundo infanto-juvenil e a vida adulta (mais em termos emocionais que em termos cronológicos). Ora essas pessoas se comportam como adolescentes, ora como vetustos senhores e senhoras de si. Não se encaixam perfeitamente em nenhum dos lados.

Para fazer a travessia e converter-se em homem adulto, precisa vencer o medo, sob o risco de nunca concluir o gozo da vida, caminhando em círculos, em um constante coitus interruptus. Pode sentir, sente e sentirá prazer, porém incompleto. O pior (ou o melhor!) é que tem tudo para atingir o orgasmo da própria existência. Está perdendo tempo.

 

 

 

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