É um soco na boca do estômago. Mesmo quem tem sangue frio deve se preparar psicologicamente para assistir a “13 Reasons Why”, lançamento recente da Netflix. A série – que poderia ser mais uma inocente e divertida história de adolescentes norte-americanos e seus altos e baixos em uma high school (o Ensino Médio nos Estados Unidos) – trata de assuntos de mexer com a cabeça e apertar o coração.
Na verdade, um tema central deflagra uma sequência de outros. A narrativa gira em torno do bullying e suas possíveis consequências. Baseado no livro homônimo de Jay Asher, “13 Reasons Why” (sem título em português) explora os efeitos perversos do assédio moral na adolescência, hoje em dia amplificado pelo poder de disseminação da internet. Assim é que a maledicência – antes restrita ao boca-a-boca – ganhou força extra com as redes sociais e os mensageiros instantâneos, como o Whatsapp.
O bullying e a difamação, de que é vítima a protagonista, Hannah Baker (papel de Kathrine Langford), envolve alta dose de preconceito e discriminação, como de praxe. O machismo predomina, mas há espaço para homofobia também. Além disso, estão presentes na trama narcisismo, voyeurismo, violência sexual, negação e muita insegurança. Alguns adolescentes da história, aliás, chegam a ser extremamente cruéis. Não é de se espantar que Hannah vá ao extremo do suicídio. Sim, a protagonista se mata, e isso não é um spoiler, pois a narrativa começa justamente pela revelação de que a jovem deu cabo da própria vida e pretende explicar por quê. Segundo ela mesma, são 13 os porquês – as tais “13 Reasons Why” (há link para o trailer no fim deste artigo).
Curiosamente, em pleno século 21, Hannah escolhe deixar seu relato gravado em fitas cassete e não em formato digital, como seria de se esperar de uma jovem nos dias de hoje. Essa opção um tanto vintage – que ela atribui à vontade de tornar mais difícil e instigante sua mórbida narração – contribui para que a série (suponho que o livro também) prenda a atenção do telespectador, que acompanha, roendo as unhas, a história em fragmentos. Afinal, o personagem mais importante, depois da própria Hannah, é seu amigo Clay Jensen (papel de Dylan Minnette), o único que ouve as fitas sem pressa, para angústia e, às vezes, até irritação do telespectador.
Vale destacar que só recebe e ouve as gravações o seleto grupo de pessoas que Hannah elege como as 13 razões que contribuíram para seu suicídio. Cada um dos escolhidos tem responsabilidade direta ou indireta pela morte prematura da garota. O que Hannah faz não deixa de funcionar como uma espécie de justiça pelas próprias mãos. A vida de seus ex-colegas de escola vira um inferno depois de eles ouvirem as fitas.
Se o bullying (sexista) e suas eventuais consequências servem de mote para “13 Reasons Why”, manter o foco exclusivamente no comportamento dos adolescentes da história seria um equívoco. Felizmente, a série ajuda a chamar a atenção também para as famílias e a escola – claramente omissas em relação à realidade de seus filhos, filhas, alunos, alunas, professores, professoras. A própria mãe de Hannah chega a dizer, em um dos episódios, que não sabe mais quem foi sua filha.
Goste ou não de “13 Reasons Why”, o telespectador precisa admitir que a história dá pano para manga. Tem food for thought de sobra! Pode render debate até em mesa de bar. Se a imprensa traz pouca ou nenhuma notícia sobre suicídio, e se o bullying raramente vira manchete e, quando muito, é tema de bem comportadas mesas redondas com especialistas, o seriado joga areia no ventilador. Revira tudo. Enfia o dedo na ferida sem dó nem piedade. Escancara o problema. Obriga a pensar nele por todos os ângulos, inclusive os mais incômodos e constrangedores.
Alguns críticos afirmam que a narrativa é pouco realista. Ora! Parecem os professores e os pais dos adolescentes de “13 Reasons Why”. Não têm a menor ideia do que realmente se passa na vida e na cabeça dos jovens atualmente. Será que acreditam piamente nos sorrisos estampados nas fotos do Facebook e do Instagram? Baseiam-se na fachada? Pensam que adolescentes não têm bastidores, não guardam segredos, não sabem o que é drama nem tragédia? Pouco realista é quem duvida da ficção. Quantas vezes a vida também parece inacreditável! Há notícias surreais!
Mórbido e deprimente, ainda que singelo em vários momentos, “13 Reasons Why” tem mais uma característica que pode perturbar alguns telespectadores: o ziguezague narrativo, pois os flashbacks não são sempre lineares. Parece ser essa a proposta. Afinal, quer vida mais atordoada que a da protagonista na história? Se a adolescência é fase difícil para a maioria, a de Hannah é particularmente dolorosa.
Pode-se argumentar – não sem certa dose de razão, como, aliás, faz uma personagem secundária da história – que Hannah não foi forte o suficiente para enfrentar os sofrimentos típicos de sua idade. Afinal, há jovens em situação bem mais difícil que a dela e, nem por isso, abreviaram a própria vida. No entanto, quem pode julgar o limite de cada um? Quem pode medir a dimensão da dor dos outros? Complicado…
Seja como for, qualquer semelhança de “13 Reasons Why” com fatos ou pessoas reais não é mera coincidência. Há muitas Hannah por aí. Famílias, instituições de ensino, Estado, sociedade em geral, se quiserem evitar suicídios na adolescência, podem começar por abrir os olhos para o que realmente acontece na vida da moçada e, claro, se indagar se eles também não são um dos porquês do desencanto que leva essa galera, aparentemente tão alegre, a desistir de viver.