Já experimentou ir a uma festa e não beber nem uma gota de álcool? Já experimentou ficar completamente sóbrio quando praticamente todo o mundo está bêbado ou sob efeito de qualquer outra substância entorpecente? Se não, vale a pena ter essa experiência e ainda tirar o máximo proveito dela.
À primeira vista, pode parecer sem graça sair para se divertir com pessoas amigas e não entrar no clima delas. Além de se sentir peixe fora d’água, você está sempre sujeito às tais cobranças: Ué…. Não está bebendo por quê? Ah, vai ficar aí sem beber? Tudo bem com você? O que houve? Bebe que passa!
Não precisa ser assim. Aliás, dá para ser muito melhor. Você pode, em alguns casos, até se divertir mais do que seus amigos de copo cheio. Como? Simples: observando. Afinal, mesmo sem encher a cara, você poderia entrar no clima de euforia e esquecer o mundo a sua volta. Já quando você abre mão também disso e passa a observar tudo…. Sabe como é? Ótimo. Não sabe? Experimente!
Quando você está, além de sóbrio, observador atento, você nota o que, talvez, nunca tenha notado antes – ou pode até ter desconfiado, porém não tinha indícios suficientes para tirar conclusões seguras. Lúcido, você observa (ou mesmo descobre), por exemplo: quem gosta de quem (mas não ousa se declarar); quem não gosta de quem (mas representa); quem sente ciúme, inveja, medo, desejo, alegria, frustração ou tudo isso misturado.
Sóbrio e observador, você não só vê como também ouve mais. As pessoas acabam esquecendo que você não está embriagado e falam o que vem à cabeça. A certa altura, o superego delas vai para o espaço! Não existem mais autocensura, freio, constrangimento de qualquer tipo. Elas soltam a língua e se expõem como realmente são ou, no mínimo, como gostariam de ser.
Como se sabe, a bebida alcoólica e outras drogas – mais ou menos pesadas que ela – são a chave da jaula. As feras saem, circulam e, claro, atacam. Os instintos estão livres. Se há atração, ela aparece. Se há desprezo, também. Se há alegria, vem à tona. Se há tristeza, igualmente. A maioria está pouco se lixando para as consequências. É como se não houvesse dia seguinte. Vale tudo no aqui-e-agora da euforia artificial.
O curioso disso tudo está justamente no fato de algo artificial (como a bebida alcoólica) liberar algo natural, ou seja, o artifício libertar a natureza. O que está reprimido sai, corre solto, e só quem está sóbrio e atento vê tudo, assiste a tudo de camarote, impressionado ou não, chocado ou não, mas raramente indiferente, pois revelações de caráter e personalidade podem ser uma interessantíssima forma de espetáculo.
Dá para ir mais longe. Se, além de sóbria e observadora, a pessoa for analítica…. Haja pano para manga! É bem verdade que a análise dos atos tem sempre um viés. Certos filtros comprometem as conclusões. Independentemente disso, há fatos que falam por si. O colega puritano tentando agarrar alguém à força dispensa divagações psicológicas. O machão homofóbico se esfregando “discretamente” no mais musculoso da pista de dança igualmente prescinde de elaborações intelectuais. O bem-comportado que se joga a ponto de querer sair beijando bocas alucinadamente é outro.
Em tempos de carnaval, situações como essa têm lugar durante pelo menos uma semana no Brasil. Há cidades no país que desfrutam de um mês inteiro. Para algumas pessoas, a quarta-feira é quase literalmente de cinzas. Resta o pó. Claro que o mito da Fênix cabe como luva a cada experiência de desvario: o folião geralmente renasce do que sobrou.
Há, porém, quem tenha ressaca moral. Há quem pague caro (inclusive com a própria vida ou com a de outras pessoas) os excessos que cometeu sob o efeito do álcool e, eventualmente, outras substâncias tóxicas. Há quem tenha amnésia parcial ou total – algo bastante conveniente, em certos casos. Há quem finja que esqueceu tudo. Por outro lado, há quem se orgulhe dos próprios atos e se sinta bem contando e até exagerando ao relatar suas aventuras. Enfim, as reações variam, como se sabe.
Quem, no entanto, por falta de opção ou voluntariamente, passou horas observando (e, às vezes, também analisando) o comportamento das feras soltas… Ah! Pode até guardar suas impressões para si, mas inevitavelmente conhecerá melhor cada um dos membros de uma fauna imensa e diversificada: do homossexual recalcado à libertina reprimida; do falso alegre ao deprimido aparente; do arrogante disfarçado ao verdadeiramente simples; do violento contido ao insuspeito pacificador; do tarado enrustido à venenosa dissimulada; da amiga ou amigo invejoso à amiga ou amigo inesperadamente “anjo da guarda”; enfim, homens e mulheres que talvez nunca se mostrassem por inteiro se não estivessem em estado entorpecente.
Agora, confesse: pode ou não ser muito interessante assistir a essa série de revelações? Com isso, não quero dizer que você esteja necessariamente se divertindo com quem faz papel ridículo ou às custas de quem se expõe para depois se arrepender. Chamo a atenção apenas para o fato de que, sóbrio, observador e (por que não?) analítico, você pode aprender muito sobre seres humanos, especialmente aqueles do seu convívio. Isso poderá ser divertido, constrangedor ou até decepcionante (em relação a algumas pessoas), mas nunca será tempo perdido.
Last but not least: vale lembrar que você mesmo já pode ter sido o alvo de outras pessoas que, sóbrias e observadoras, viram você em estado alterado. Um dia é da caça, o outro, do caçador. No seu dia de caçador, recomendo tirar o máximo proveito possível. Melhor do que ficar emburrado em um canto, é abrir os olhos e deixar o mundo entrar. Só esteja preparado para tudo. Eu disse: tudo!