Noto por aí o que me parece uma enorme confusão. “Alpha é inteligentíssima. Fala quatro idiomas. Tem doutorado. Escreve bem”, diz quem admira Alpha. Não duvido de que, para falar quatro línguas, concluir um doutorado e redigir com maestria, uma pessoa tenha inteligência. No entanto…
Essa mesma pessoa pode ter muita dificuldade para se relacionar, manter-se em um emprego, resolver problemas do cotidiano, superar traumas. A mesma inteligência que lhe permite ter elevado grau de instrução parece reduzida quando se trata de lidar com a vida nua e crua e seus seres humanos nus e crus.
Não por acaso, há psicólogos – e não são poucos – que apontam a existência de vários tipos de inteligência: da espacial à linguística, passando pela corporal e a lógico-matemática. O número varia, mas a roleta tende a parar no 9. Há, segundo estudiosos, pelo menos 9 modalidades de inteligência.
O problema é que muita gente ignora essa classificação e tende a julgar inteligente apenas quem tem uma ou duas modalidades, geralmente a linguística e a lógico-matemática. Simplificadamente: para muitas pessoas, inteligente é quem tem facilidade para os estudos formais (instrução escolar).
Assim, o atleta só impõe respeito se chega a obter muitas medalhas. Antes disso, pode ser visto como um idiota se, por exemplo, tiver dificuldade para se expressar ou consumir literatura. Sua inteligência corporal, geralmente somada à espacial, costuma ter menos valor no “mercado do intelecto”. Não por acaso, intelectual é tido apenas como aquele que lê, escreve, debate, argumenta, compõe…
Se não conquistar multidões, o sujeito que tem incrível facilidade para se relacionar (inteligência interpessoal) acaba sem prestígio na sociedade – é um bobo da corte de quem todo mundo gosta, mas ninguém respeita. Exagero? Talvez. Mas não venham me dizer que isso jamais acontece.
Parece-me injusto que somente “intelectuais” tenham o prestígio de inteligentes. Já ouvi um jornalista dizer que engenheiros são “burros”. Certamente nunca precisou fazer os complexos cálculos necessários para erguer uma ponte ou um arranha-céu (para citar apenas exemplos da Engenharia Civil).
O oposto também ocorre, mas suspeito de que com menos frequência. Observo certa admiração, por parte dos hábeis em cálculo matemático e no domínio do corpo físico, pelos hábeis nas letras. Um fato prosaico talvez ajude a explicar essa assimetria: a uma mesa de bar, é mais fácil impressionar interlocutores com referências literárias e filosóficas do que com equações matemáticas ou conhecimentos de fisiologia do exercício. Em uma discussão sobre política, economia, artes, quem se dá melhor afinal?
Nos dias de hoje, em uma disputa hipotética entre Esparta e Atenas, os atenienses teriam vencido de goleada. Justo? Em alguns casos, penso que sim. O refinamento intelectual que o mundo das letras permite (refiro-me aqui ao universo das chamadas ciências humanas e da filosofia) é inegável. No entanto, desdenhar a experiência e o conhecimento do mundo das chamadas ciências exatas e biológicas é paradoxalmente uma estupidez.
Fico pensando se é possível entendimento entre as partes. Com boa vontade, acredito que sim. Seria interessantíssimo ver o resultado dessa associação, dessa soma de valores, crenças, conhecimentos, mundivisões.
Minha experiência pessoal é positiva. Para mim, pelo menos, tem sido um jogo de ganha-ganha. O intercâmbio me faz bem: no mínimo, ele me afasta de radicalizações e alguns preconceitos. Se isso vale para todos, não sei. Gostaria de que sim. Penso que compensa tentar, mesmo que seja apenas para desenvolver mais a inteligência interpessoal de todas as partes envolvidas.