Simone era o nome dela. Nunca me esqueci do dia em que recebi um bilhete da Simone no meio da aula. Cursávamos o ensino fundamental. Dizia a nota em folha de papel de caderno: “Quem amou nunca esqueceu. Quem esqueceu nunca amou.”
Até hoje, não sei por que ela mandou aquele bilhete para mim. Ela sabia que eu era interessado nela, mas não tínhamos uma relação. Nunca chegamos a ter, embora eu tivesse insistido bastante para isso.
Desconfio de que Simone também me quisesse. Éramos crianças, porém. Talvez por isso, aquelas palavras românticas não expressassem a realidade. Não se tratava de um fim de namoro, nem de abandono de minha parte. Eu ainda gostava dela, e ela sabia disso, quando recebi o bilhete. Simone deve ter achado aquele texto bonito e o mandou para mim como forma de expressar seu afeto. Foi um amor platônico o que vivemos. Curiosamente, nunca me esqueci do conteúdo daquele bilhetinho.

In Bed, The Kiss, 1892 – Henri de Toulouse-Lautrec
A maturidade e os estudos acabam por nos tornar indiferentes a frases feitas. A maioria delas não se sustenta. A maioria não resiste a uma reflexão mais profunda. Às vezes, nem mesmo a uma reflexão mínima. Ainda assim, guardei para sempre: “Quem amou nunca esqueceu. Quem esqueceu nunca amou.”
Sei lá por que diabos isso faz algum sentido para mim — aliás, muito mais hoje do que no dia em que Simone enviou aquele bilhetinho escrito a mão. Como esquecer alguém de quem gostamos de verdade? Ela, soubesse ou não disso, talvez estivesse certa. Quando há sentimento para valer, a memória grava.
Não por acaso, em vários idiomas, ter algo memorizado é saber “de cor” (cor = coração), “par coeur” (em francês), “by heart” (em inglês). O verbo “decorar” tem a mesma origem. Um dia, acreditou-se que o centro da memória estava no coração e não no cérebro. A evolução da ciência, porém, não eliminou a expressão. A língua resiste.
Acredito que o sentimento de fato contribua para a memorização. O que se diz sobre o amor – e a paixão – também se pode dizer sobre o ódio. Quando profundo, dura anos, décadas. Às vezes, só morre junto com quem o sente.

Obra sem título de KwangHo Shin
O inverso não é necessariamente verdadeiro. Posso jamais esquecer uma pessoa, ainda que não a tenha amado. A própria Simone, de minha infância, é um exemplo disso.
Amores, então, não acabam? O que acontece com eles quando se terminam as relações? Sublimam-se, creio eu. Viram amizade, por exemplo. Mas, se eles não acabam, por que as relações têm fim? Já ouvi dizer que amor não basta para manter uma relação. Faz sentido.
Agora, sinceramente, é preciso ter certa dose de sangue frio para aceitar que uma relação se acabe quando ainda existe amor. Chamo isso de aborto afetivo. Entendo, mas não aceito bem. Quando aconteceu comigo, fiquei inconformado. Meu lado romântico insiste na ideia de que o amor deve superar tudo — ou pelo menos tentar até o último segundo. Se não, vira relação mal resolvida, questão em aberto.
Pendências. Sensação de que faltou algo. Mágoa. A brasa ainda arde. Ciúme. Saudade… Para mim, tudo isso ou parte disso ou possivelmente algo mais ajuda a caracterizar uma relação mal resolvida. O sentimento não se acabou. Está lá. Se escondido, ele grita de vez em quando. Se exposto, incomoda tanto quem sente quanto quem vê.

“Amor e ódio”, obra de Hayk Matsakyan.
Já expus aqui uma vez minha dificuldade em aceitar “gestalts” abertas. Penso até que deveria admitir que a vida é assim mesmo. Está longe de ser um relógio suíço. Não é máquina. Não é conto de fadas. Permite lacunas. Há nela espaço tanto para narrativas lineares, com começo, meio e fim definidos, quanto para obras inconclusas. Posso morrer aos 90 anos com meus sonhos realizados como posso morrer amanhã com uma sequência de frustrações, pendências. Nunca se sabe.
Simone e eu não namoramos. E eu queria tanto! Naquela época, sofri por ela. Depois, o sofrimento passou, a frustração passou. Desconheço o destino de Simone. Ela hoje seria indiferente para mim se não fosse pela lembrança daquele bilhete. Isso me faz pensar que, se eu viver até os 90 anos, as frustrações de agora tampouco terão importância. Chega a ser consolador pensar assim.