F não namora há anos. Dá a entender que gostaria de voltar a namorar. Empolga-se com uma garota, mas logo desiste – ou, por outro motivo qualquer, a relação não vai pra frente. Recentemente, a gente se encontrou em uma festa e falei de uma amiga que talvez combinasse com ele. F logo me perguntou se eu tinha fotos dela. Por acaso, eu tinha algumas e as mostrei. Notei que F não se entusiasmou. “Bonitinha”, limitou-se a dizer.
D estava na mesma festa, onde o vi aos beijos com uma garota várias vezes. Pareciam dois namorados na pista de dança. A certa altura, encontrei D sem a jovem. Perguntei onde ela estava, e ele me respondeu, com ar de desdém, que não tinha ideia. Quis saber se ele não estava interessado nela. “Não. Gordinha”, ele me disse.

Estátua da deusa grega Afrodite.
Em poucas horas, dois amigos (o segundo não chega a ser amigo, mas já o conheço há algum tempo) fizeram, em minha presença, pouco caso de garotas porque elas não tinham a aparência física que eles esperam de uma mulher. Presencio esse tipo de atitude com frequência – em ambos os sexos.
Conheço muitas pessoas que buscam o que elas entendem por perfeição em termos de beleza física, a qual costuma estar associada à simetria de formas e volumes, mais ou menos como no padrão estético clássico greco-latino.
Para muita gente, um rosto considerado belo não basta. É preciso ter corpo belo também. O contrário igualmente vale: um corpo bonito e um rosto feio não satisfazem. Há quem implique com o nariz ou a boca ou o queixo ou o dedão do pé. Não me refiro, evidentemente, só ao fato de se observarem os detalhes, mas também ao de torná-los elementos decisivos na escolha da parceira ou do parceiro.

Estátua da deusa grega Ártemis.
Há casos mesmo de obsessão pelo corpo perfeito (como se ele existisse, pois até top models geram controvérsias). Há o tal ideal de beleza (geralmente, mas nem sempre, greco-latino) na cabeça de muita gente – mesmo de quem está longe desse ideal próprio, ou seja, pessoas feias (segundo esse padrão idealizado) exigem pessoas bonitas (conforme esse mesmo padrão).
A causa dessa exigência ainda é mistério para mim. A psicologia evolutiva poderia dizer que essa postura se relaciona à busca da melhor prole possível, mais apta a sobreviver (teoricamente, os mais belos teriam mais chances). Nesse caso, porém, a inteligência deveria desempenhar papel mais importante nos dias de hoje. Questão complexa…
Retomo o exemplo de meus conhecidos. São rapazes bonitos, segundo os padrões vigentes de beleza física. Aonde vão, despertam interesse em muita gente. Minhas amigas que os viram ficaram muito bem impressionadas, algumas em frenesi. Eis por que me permito especular um pouco mais sobre a causa de alguns exigirem tanto em termos de aparência física. Talvez a consciência da própria beleza torne certas pessoas mais exigentes nesse aspecto. Elas querem alguém do mesmo nível.

Estátua do deus grego Apolo.
Seja porque (consciente ou inconscientemente) busquem uma prole mais apta à sobrevivência, seja porque prefiram semelhantes (em termos de atributos físicos), seja por ambos os motivos concomitantemente, seja por outras tantas causas que não listei aqui, as pessoas exigentes em termos de beleza física estabelecem restrições que podem dificultar, para elas, o encontro de parceiros capazes de lhes oferecer outros tipos de satisfação, como diálogos inteligentes, demonstrações de confiança, atitudes generosas etc.
Com isso, não quero dizer que as pessoas não tenham o direito de ter a beleza física como critério para selecionar aquelas com quem pretendem se relacionar. Isso me parece legítimo. Confesso que eu mesmo adoto esse critério, entre vários outros. Beleza física pesa para mim também, embora não seja tudo. Estou apenas lembrando que, muitas vezes, perdem-se oportunidades por ter a aparência física como cláusula de barreira.

O Homem Vitruviano, de Leonardo da Vinci: a perfeita simetria.
Daí meu interesse em compreender por que tanta gente exige beleza – às vezes, até uma suposta perfeição – acima de tudo, e por que alguns, para serem coerentes, teriam de excluir a si próprios de uma lista de pretendentes se olhassem rigorosamente para o espelho. Explicar esse comportamento talvez contribuísse para evitar que aspectos exclusivamente estéticos se sobrepusessem a características como caráter, personalidade, inteligência.
Evidentemente, é possível argumentar a favor de Vinícius de Moraes, que teria afirmado: “As feias que me desculpem, mas beleza é fundamental”. Afinal, o sexo é físico e, portanto, o desejo sexual passa pela atração física. Sem ela, nada feito. Essa atração seria incontrolável. Não haveria como forçar uma pessoa a se sentir atraída por outra.
Ainda que se defenda a possibilidade de o desejo e a atração serem culturalmente construídos, a questão persistiria, pois não se explicaria por que, um dia, optou-se por essa construção e não outra. Explicações nesse sentido enveredam-se por teorias de difícil comprovação no curto prazo. Tendem à especulação baseada em crenças muito particulares, às vezes com fortes matizes ideológicos.

Afrodite em cristal negro.
Um aparte: há muitos casos em que a pessoa acha outra fisicamente bonita para ela, ou seja, o que pesa não é necessariamente determinado padrão universal de beleza física, mas sua própria escala de valores em termos estéticos. Fulana ou fulano é bonita ou bonito para mim, mesmo que não seja para você, e isso é o que importa. Tendo a crer ser essa a posição da maioria. Nesse caso, a beleza física mantém seu peso, ainda que relativizado.
Essa perspectiva contempla, inclusive, a possibilidade de construção cultural da atração física, do desejo, porém em âmbito mais individual. Meu gosto, por mais socialmente influenciável que seja, teria como baliza meus próprios gatilhos internos, extremamente pessoais.
Entre o determinismo cultural e o impulso individual, existe um mundo. Quem sou eu para esgotar o assunto? Falta-me conhecimento para tanto. Sinto-me à vontade, porém, para levantar a questão. Aceito de bom grado contribuições.
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