Vivem dizendo por aí que o mundo é um palco. A cada dia, me convenço de que é mesmo. Neste tablado, há espaço para tragédias, dramas, comédias, tragicomédias. Há atores e atrizes brilhantes, medíocres, regulares. Há, inclusive, cortinas diante e detrás da ribalta e o bastidor. O autor e diretor da peça é anônimo para muita gente, embora, para a maioria, seja um ser supremo, a quem no Ocidente costuma-se chamar Deus. Ele é também o dono do teatro, ou seja, ao menos em tese, tem pleno domínio de tudo.
O mais curioso e estranho nessa analogia entre o mundo e um palco está na plateia. Afinal, quem é ela? Quem a integra? Se todos estão no palco, para quem atores e atrizes representam? Nessa encenação, ao que parece, há algo de metalinguístico. Atores e atrizes também interpretam o papel de espectadores. Aplaudem, vaiam, calam-se, choram, riem, torcem. Os papeis parecem se revezar. Ora, atores e atrizes são protagonistas da cena. Ora, coadjuvantes. Ora, integrantes da plateia.
Como se trata de uma peça sem data marcada para terminar, claro está que, ao longo de incontáveis temporadas, atores e atrizes morrem, e outros vêm substituí-los. Cenários e figurinos, assim como as falas, passam por alterações com o tempo. A peça teve um início, desenrola-se, porém seu fim é incerto, imprevisível. Cumpre lembrar que se trata sempre da mesma peça, em relato linear: a vida neste mundo, “a aventura humana sobre a Terra”, como diz a canção.
O mundo é um palco, e vê-lo pelas lentes dessa analogia parece simples. Acontece que há implicações no mínimo curiosas nessa comparação. A primeira – bastante óbvia – é que, se o mundo é um palco, ele é uma imensa ficção, isto é, todos representam uma peça. Ninguém é verdadeiro. Todos atuam. A segunda implicação, resultante da primeira, é que, onde há palco, há bastidor. Havendo bastidor, quem estaria lá? Quem teria acesso a esse espaço? No caso de um ator ou uma atriz visitar o bastidor, o que isso representaria?
No mundo teatral, os bastidores são o espaço onde a ficção dá lugar à realidade. Atores e atrizes trocam de roupa, retocam a maquiagem ou simplesmente se recolhem após sair de cena. Recuperam, enfim, sua real identidade. Atrás das cortinas, não há mais público. Estão lá quem opera o espetáculo e, inclusive, muitas vezes, o próprio diretor ou diretora.
Quando se compara o mundo a um palco, todavia, a ideia de bastidor parece inexistir. A analogia serve, normalmente, para expressar que o mundo em que se vive é de representação. As pessoas não são verdadeiras na maior parte do tempo ou talvez nunca o sejam. Representam ininterruptamente. Onde estaria, então, o bastidor?
Eis onde entra o ponto central deste artigo. Penso que há dois tipos de bastidor no tal palco do mundo: os pessoais e os coletivos. O pessoal fica entre quatro paredes. Está no quarto da jovem festiva que, uma vez sozinha, tem crises de choro. Está no apartamento do rapaz arrogante que, isolado, mergulha em crise de insegurança. Está na mansão de um casal sem filhos que, no auge da madrugada, vai às vias de fato, e ele a espanca. Está nos fundos de uma loja onde um vendedor esconde uma mercadoria para poder vender outra. Está na decisão solitária de um homem de investir em um namoro ou em um casamento de fachada. Por aí vai.
O bastidor coletivo está em gabinetes fechados onde políticos negociam. Está em jantares de luxo onde empresários definem estratégias. Está em bordeis onde executivos conquistam confiança mútua para fechar negócios. Está em assembleias subterrâneas para organizar e ensaiar manifestações públicas. Está em reuniões a portas fechadas nas quais se decide sobre uma guerra e a explicação mais convincente para ela. Assim por diante.
A diferença desses tipos de bastidor para o de uma peça teatral está no fato de que o bastidor do mundo é parte da peça. Muitos de seus atores e atrizes continuam interpretando seus papeis. Apenas ocultam suas reais motivações para agir dessa ou daquela maneira quando estão no palco. A farsa é, para eles, a realidade. Bastidor e palco fazem parte da mesma encenação.
O que pode ocorrer – e ocorre – é um ator ou atriz enxergar, voluntária ou involuntariamente, o que se passa no bastidor. A reação é tão imprevisível quanto diversificada: puxar a cortina e revelar a farsa a todos; guardar a informação privilegiada como um trunfo para uso futuro; optar por participar da farsa; escolher o silêncio e conviver com a amargura, o cinismo ou ambos.
Se o mundo é um palco, ver o que se esconde atrás das cortinas é um risco. Vale a pena? Em minha opinião, sim. Melhor ver a vida como ela é, sem ilusões. Alguns acham que se desiludir é como perder a inocência, e o preço é o desencanto com a vida. Isso, de fato, é possível e muitas vezes acontece. Ainda assim, prefiro a crueldade do real à ingenuidade da fantasia. Se o mundo é um palco, quero saber com quem o estou dividindo. De verdade.