No final de 2013, escrevi neste blog o primeiro artigo sobre pessoas literais. Na ocasião, fui eu próprio literal ao descrever pessoas que levam tudo ou quase tudo ao pé da letra. Dei exemplos concretos, óbvios mesmo. Fiquei de publicar novo post sobre o tema e acabei deixando isso para lá. Hoje bateu em mim a vontade de retomar o assunto, desta vez em termos menos… literais. Ao trabalho!
Há gente que simplesmente não entende ironia. Brincar com gente assim costuma ser difícil. Não capta a piada mais óbvia, mais tola. “Odeio ser bipolar. É maravilhoso!” Pode apostar que existe quem não compreenda o comentário e pense: “Esse sujeito deve ser maluco. Não diz coisa com coisa.”
Indiretas para literais são perda de tempo. Não vão captá-las. “A umidade do ar está muito baixa hoje. Há risco de desidratação.” Os literais estão com a visita em casa há uma hora e não ofereceram água para ela até o momento. Em vez de se lembrarem disso com a indireta da visita, concordam: “Verdade. A escola dos meus filhos liberou as turmas mais cedo justamente por causa disso.” Melhor pedir logo algo para beber ou ir embora.
Pessoas literais não entendem de imediato (ou não chegam a entender jamais) um exagero, uma pergunta retórica, uma figura de linguagem. Elas veem, ouvem, tocam, provam, cheiram como se não houvesse diversidade de cores, sons, texturas, sabores, cheiros. Contentam-se com a superfície. Esperam lógica, nunca arte. Acreditam mais na ciência que na filosofia. Desconfiam da imaginação.
Mesmo as que têm fé religiosa, quando estão longe de seus templos, esquecem a experiência com as dimensões alegóricas e literárias de seus textos sagrados. Algumas se esquecem desses aspectos até mesmo em seus templos, onde creem e defendem a literalidade de misteriosas escrituras.
É claro que se pode ser literal também na interpretação de atos, não somente de palavras. Um beijo no rosto, por exemplo, pode ter numerosos significados. O mesmo vale para abraços, apertos de mão, olhares fixos. A pessoa literal geralmente tem uma única leitura (ou um repertório bastante reduzido de interpretações) para os gestos dos outros. Pode ser uma leitura sempre sensual ou ingênua, mas raramente aberta ao improvável, ao inusitado, ao novo, ao imponderável.
Às vezes, faço uma brincadeira (com certo fundo de verdade): digo que julgar é inútil. O ser humano deveria ser desprovido da faculdade de julgar, pois a maioria de seus juízos está sempre equivocada. Claro que essa minha opinião não deve ser interpretada literalmente, ainda que eu, com algum exagero, tenha em mente o fato de que julgar é mesmo arriscado, pois acertar sempre dependeria de saber ler pensamentos.
As pessoas literais, portanto, têm duplo prejuízo: além de muitas vezes interpretarem algo equivocadamente, perdem a piada, isto é, a graça de uma comunicação mais colorida, fluida, leve, inteligente, bem mais rica enfim. Restringem-se à leitura fria e sensaborona dos múltiplos discursos que atravessam seus sentidos. Felizmente, não são todas elas que devolvem ao mundo discursos tão insípidos quanto a interpretação que fazem deles. Curiosamente, mesmo os intérpretes literais podem ser capazes de se expressar de forma criativa. Prova de que a vida não é ela própria literal. Ufa!