Tenho observado o quanto é difícil encontrar alguém disposto a ouvir. Parece que a maioria só quer falar. O egocentrismo impera, e eu mesmo escorrego nessa casca de banana muitas vezes. Só que a situação pode ser pior: há quem ouça (viva!), mas não compreenda o que ouviu (hummm…). Lá vem problema!
A conversação, que deveria ser um recurso para aproximar pessoas, converte-se, amiúde, em fonte de desentendimento. De forma bem simplificada, pode-se traçar o seguinte roteiro: um fala, o outro ouve. Deu-se o primeiro passo. O seguinte seria: o outro compreende e reage. Só teoricamente, porém, o processo se dá sempre dessa maneira.
O que tenho observado? Críticas e elogios ao que falo que só teriam valor se realmente correspondessem ao que, de fato, eu quis dizer. Acredito que a maioria das pessoas tem a mesma experiência praticamente todos os dias. Por quê? Se o ser humano tem o dom da comunicação, por que ela não produz sempre os efeitos desejados? Arrisco alguns palpites, que obviamente não esgotam a questão.
Do ponto de vista de quem fala, costumam ocorrer as seguintes situações (isoladas ou combinadas entre si):
1- Dificuldade de expressar-se. O indivíduo não domina a própria língua. Utiliza termos inadequados para o que quer dizer. Tem vocabulário limitado. Pontua mal. Confunde significados de palavras. Atrapalha-se com a gramática. Mesmo quando se faz entender, esse entendimento, por parte de quem o ouve, é incerto. Depende excessivamente do contexto e da boa vontade do outro.
2- Descontrole emocional. A perda do controle sobre as própria emoções eventualmente dificulta a expressão verbal. Sejam emoções consideradas como positivas (entusiasmo, por exemplo), sejam emoções vistas como negativas (ódio, raiva, ânsia, entre muitas outras), elas podem nublar a comunicação. Evidentemente, emoções também dizem algo e podem mesmo facilitar, em diversas situações, a compreensão do que se está dizendo. No entanto, convém ter em mente que o estado emocional afeta a comunicação, tanto positiva quanto negativamente.
3- Sofisticação. Ao contrário da dificuldade de expressar-se, a sofisticação no modo de exprimir-se também pode dificultar o entendimento. Refiro-me tanto à sofisticação no âmbito da forma (vocabulário rebuscado, uso de jargões, determinadas citações, termos em língua estrangeira etc.) quanto do conteúdo (idéias muito elaboradas ou que exigem referências especializadas: científicas, filosóficas, literárias etc.). Em casos extremos, atinge-se o hermetismo. A fala torna-se inacessível a quem não tem o mesmo nível de instrução, o mesmo repertório cultural de seu emissor.
Já do ponto de vista do receptor da mensagem, diria que há as seguintes situações (naturalmente, não enumero todas as possíveis):
1- Preconceito contra o emissor. O indivíduo que tem algum tipo de prevenção contra quem está falando (o autor da mensagem) tende a resistir às idéias que ouve. Essa resistência dificulta ou mesmo impede o receptor de compreender, pois ele adota atitude reativa (está pronto a rechaçar, rebater). Naturalmente, as causas desse preconceito variam (ciúme, inveja, mágoa, postura ideológica diferente etc.).
2- Descontrole emocional. Da mesma forma que o emissor, o receptor da mensagem também pode deixar-se contaminar por emoções, e elas comprometerem sua compreensão do que ouve. Com raiva, torna-se difícil entender o outro. A tendência é interpretar a mensagem de forma negativa. O oposto, claro, também vale: encantado pelo emissor, o receptor fica propenso a interpretar a mensagem sempre de forma positiva ou acrítica.
3- Grau de instrução limitado. Claro que uma pessoa com baixo grau de instrução pode compreender outra igualmente ou melhor que alguém com alto grau de instrução. A inteligência não está necessariamente atrelada aos anos de banco de escola ou de páginas de livro. No entanto, certas mensagens (sofisticadas ou não) exigem certo domínio do idioma e conhecimentos gerais. Isso pode ocorrer até com piadas. Há quem não entenda uma simplesmente porque desconhece o contexto da brincadeira.
Metaforicamente, tanto emissor quanto receptor de mensagens podem, no momento de interpretar e, por conseguinte, compreender o que o outro diz, trocar o cérebro pelo coração ou pelo fígado ou até mesmo pelos órgãos genitais (quanta boa vontade alguns têm para compreender uma beldade!).
Gracejos à parte, é duro verificar que, por mais que alguém se esforce para se fazer entender, há sempre o risco de um desentendimento. O atrito vive à espreita quando se trata de comunicação humana. Disso não está livre nem mesmo o desenho ou a fotografia.
Há um ditado segundo o qual “uma imagem vale mais que mil palavras”. Pode ser. Todavia, mesmo uma imagem exige interpretação — que nem sempre é a desejada ou a desejável. O que fazer, então? Buscar o silêncio? Seria isso sempre possível? Não creio.
Em minha limitada opinião, penso que uma saída digna para a comunicação humana está, antes de tudo, no voto de confiança. No Direito, existe a figura da “presunção de inocência” (todos são inocentes até prova em contrário). Na comunicação, poderia haver algo semelhante (o discurso é bem intencionado até prova em contrário).
Então, o leitor me questionará: essa postura, além de ingênua, só valeria para as situações 1 e 2 de emissores e receptores de mensagens. O que fazer no caso do contraste entre sofisticação do discurso e grau de instrução limitado?
Ora, se o emissor realmente deseja que o receptor de sua mensagem o compreenda, ele deve, antes de tudo, conhecê-lo e a ele dirigir-se de acordo com seu grau de domínio do idioma e do tema. Se o leitor ou o ouvinte quiser realmente compreender a mensagem de um receptor de discurso mais sofisticado, ele terá de fazer esforço extra (consultar o dicionário, pedir informação a terceiros, enfim ter a humildade de pesquisar).
Tudo isso parece simples e óbvio — e o é. Por que será, então, que ocorrem tantos atritos, alguns capazes de romper laços entre pessoas que se gostam? Não haveria interesse no diálogo? Melhor vencer um debate que construir um consenso? Aqui arrisco novo palpite: ego. Esse é feito do material mais resistente de que se tem notíca. O ego bloqueia tudo, inclusive a comunicação e mesmo o amor. Será que consegui me fazer entender?…