It’s all about connection.

O século 20 acabou. Não. O século 20 não acabou. Parece um moribundo recalcitrante. Arrasta-se e tenta segurar as pernas do século 21 para que ele não tome seu lugar. Atitude tão inútil quanto imatura. Olhasse para seu antecessor, o século 19, e acordaria para a realidade: a despeito das marcas que o passado deixa, o tempo avança, transforma. O século 21 veio para ficar. Não seja tolinho, século 20! Até que se elimine por completo a noção de tempo, hasta la vista, baby! Let the sunshine in!

Sense8

Os irmãos Wachowski – criadores, roteiristas, produtores de filmes – não gostam de ficção científica à toa. “Matrix” fez história no cinema. Agora, a série “Sense8” (pronuncia-se sensate) promete. A primeira temporada estreou no canal digital Netflix recentemente. Se o século 20 é mesmo um rei quase morto, e o 21, um rei quase posto, os Wachowski vieram dar seu empurrãozinho para que a coroa e o cetro fiquem logo com o novo dono.

Os irmãos Washowski Os irmãos Washowski, autores da série.

Vi quase em uma sentada toda a primeira temporada de “Sense8”. Foi um fim de semana praticamente inteiro diante da tela, dentro de casa, assistindo aos 18 episódios. Quando o último terminou, eu queria mais. Sei que vem mais. Ainda bem. Estava mesmo sentindo falta de uma ficção que chacoalhasse a poeira, tirasse o mofo, eliminasse as teias de aranha da teledramaturgia.

Sempre digo: não sou crítico de cinema (nem de teledramaturgia, embora tenha estudado o assunto). Gosto de obras que me levam a divagar, independentemente de receberem uma ou cinco estrelas de um sabichão. “Sense8” é dessas que mexem comigo e, certamente, com muita gente também. Nada digo agora pelos outros, mas por mim. Eis por que “Sense8” deixou minha cabeça a mil:

  • A sociedade contemporânea está cada dia mais conectada. Fisicamente conectada. Alta tecnologia a serviço da informação e da comunicação permite que uma senhora na Argentina troque fotos em tempo real com a filha na Noruega. O um dia encantador telefone dos Jetsons já está disponível e chama-se Skype. Só que… Nada disso tem garantido aproximação de verdade entre as pessoas. Em outras palavras, conectividade não se tornou sinônimo de conexão. Da mesma forma que contato não significa amizade. “Sense8” leva isso em conta.
  • O mundo dito globalizado aproxima Seul de Nairóbi, Chicago de Reykjavík. Graças a interesses políticos e comerciais, a comunicação se estabelece entre países distintos. Dá-se um jeito. Algo similar vale para o turismo, outro ramo de negócio. Há intérpretes, guias. Aprende-se um pouco da cultura um do outro. O Google ajuda. A Wikipedia também. Mas… Ainda existem abismos entre povos. Preconceito, discriminação, exploração, invasão, guerra… O que mais desune esta raça? “Sense8” também leva isso em conta.
Estranhas e misteriosas conexões... Estranhas e misteriosas conexões…
  • As redes sociais, os sites de relacionamento, os chats, os aplicativos para localização de eventuais parceiros, tudo isso está disponível para milhões de pessoas mundo afora. Porém… Tantos recursos tecnológicos não garantem uniões estáveis, duradouras. Podem até facilitar, sim, que pessoas se conheçam e, sobretudo, encontrem sexo. Já amor… Ouço queixas amiúde de quem se sente só apesar das numerosas opções de paquera. “Sense8” leva isso em conta.
  • Last but not least, a tecnologia permite interação e interatividade. No entanto… Poderia haver maior ligação entre pessoas que a sobrenatural, por assim dizer? Refiro-me a sincronicidade, telepatia, teletransporte sem auxílio de máquinas. “Sense8” também leva isso em conta. A série combina ficção científica – tem a ciência como componente, portanto – e espiritualidade –, pois há certa dose de magia na história dos oito seres especiais: visões, sonhos, intuições.
Interação sem fronteiras de qualquer tipo. Interação sem fronteiras de qualquer tipo.

“Sense8” trata, acima de tudo, de conexão entre pessoas. Ao eleger oito indivíduos, de lugares e culturas distantes e distintas, que misteriosamente se conectam, a ponto de poder se ajudar uns aos outros, os Wachowski maximizam o potencial de conexão que pode haver entre humanos. “Sense8” rompe fronteiras geográficas – América, África, Ásia, Europa (faltou a Oceania), econômicas (uma alta executiva de Seul pode ser amiga de um motorista de van de Nairóbi) e culturais (religião, sexo, etnia, ética). Os oito super-humanos têm a conexão como ponto de convergência. O resto parece ser secundário.

Na conexão dos oito, diferentemente do G-8 (agora G-7 de novo), há espaço para o máximo possível de diversidade.

Amor LGBT: por que não? Amor LGBT: por que não?

Gosto é gosto, e pode sempre haver quem considere “Sense8” uma salada indigesta de tipos e temas. Ninguém pode negar, porém, o caráter inovador dos Wachowski justamente por misturarem, em uma mesma trama, elementos tão fortes em todas as culturas e geradores, simultaneamente, de atração e repulsa, amor e ódio. Quero mais.

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