Quando presencio ou tomo conhecimento do afastamento de dois amigos, o primeiro pensamento que me ocorre vem em forma de pergunta: será que houve, entre ambos, amizade verdadeira algum dia? Porque, se houve, não pode haver um distanciamento definitivo. Cabe, no máximo, algum tempo para que cada uma das partes possa digerir o atrito e, se for o caso, redimensionar a relação, ou seja, restabelecê-la em outras bases.
Penso assim porque me parece improvável que dois amigos – sobretudo se a amizade já contar alguns anos – não tenham créditos suficientes um com o outro para quitar o débito de um atrito, por mais virulento que seja. Tudo o que um fez pelo outro, todas as alegrias que um proporcionou ao outro, todos os momentos compartilhados, as confidências, as descobertas, tudo isso vira pó da noite para o dia? Nada disso vale mais que um bate-boca? É realmente o caso de por fim a anos de união? Como assim?!
Ou nunca houve amizade? Convenço-me, a cada dia, de que amigos verdadeiros superam tudo, mesmo que, repito, precisem, aqui e acolá, redimensionar a relação.
Sim, há aqueles afastamentos graduais, quando os interesses vão mudando, as diferenças entre um e outro vão se evidenciando pouco a pouco, até que o relacionamento perde o sentido. Não. Não é a esse tipo de distanciamento que me refiro. Reflito aqui sobre as separações abruptas, repentinas, aparentemente radicais.
Por mais ofensivo que seja um desentendimento, verdadeiros amigos acabam encontrando, mais cedo ou mais tarde, espaço para a reconciliação. Não quero parecer piegas, mas vá lá: o amor é mais forte.
Se o afeto não é mais poderoso que a raiva e o rancor, o que havia ali então? Interesse? Se há espaço para ódio, poderia já ter existido amor? Como saber?…
Arrisco alguns palpites sobre por que alguns amigos (?) afastam-se para sempre:
- A relação era uma troca de interesses ou um simples arranjo momentaneamente conveniente para ambos ou para um dos dois (geralmente, para ambos). Cumprida a função, descarta-se o outro – tal como se faz com um lenço de papel.
- O orgulho é muito mais forte que a afeição.
- O atrito moveu placas tectônicas e provocou um terremoto seguido de tsunami. Metáforas à parte: a briga despertou em um dos dois (ou em ambos) sentimentos reprimidos, emoções contidas, tais como inveja, ciúme, mágoa recolhida, até mesmo paixão inconsciente – sensações para as quais a pessoa não está preparada e, portanto, assusta-se a ponto de preferir fugir de quem lhe desperta aquele estranho incômodo.
- Um colocou o outro diante de um espelho ao lhe dizer tudo o que lhe disse na hora da raiva: muitas vezes, a auto-imagem provoca susto e, conseqüentemente, afastamento.
- Um constrói do outro uma falsa imagem. Caída a máscara, desfaz-se o mito, a fantasia. Resta a decepção consigo mesmo (“Como é que me deixei enganar desse jeito?!) e com o outro (“Como pôde fazer isso comigo? Logo eu, tão generoso e sincero com ele!”). O mesmo vale dizer para os mal-entendidos: nesse caso, não se trata de imagens equivocadas, mas de interpretações erradas de ações um do outro (o que, de certa forma, redunda na construção de uma imagem errônea também).
Para a maioria dos atritos, creio em um santo remédio: diálogo. O problema é que poucos estão dispostos a tomá-lo. Acham-no amargo demais – mesmo sem o terem provado. Preferem o caminho aparentemente mais fácil da separação. Afinal, enfrentar o atrito com o outro pode significar enfrentar-se a si mesmo, defrontar-se com os próprios fantasmas.
Portanto, se não é o orgulho, é a covardia a responsável por, tantas vezes, afastar pessoas que, um dia, supostamente gostaram muito uma da outra. Mesquinho? Triste? Sem dúvida, lamentável.