Posso apostar que a esmagadora maioria dos sete bilhões de habitantes deste planeta já sentiu ou sente um vazio íntimo ao menos de vez em quando. Refiro-me àquela sensação de ausência de significado na vida em geral. É como um estado de suspensão, um hiato entre ações e atividades que, naquele momento, parecem meras distrações a esse vazio.
Filósofos existencialistas exploraram e exploram bem essa experiência, assim como os psicólogos e os psicanalistas também o fazem diante de pacientes que se queixam ora de tudo, ora do nada. Afinal, o nada incomoda, inclusive quem tem tudo. Já ouvi gente muito bem sucedida dizer: “Conquistei o que queria. E agora? Ainda sinto um vazio em mim!”
Há quem, talvez por preconceito, acredite que pessoas materialmente carentes não sintam também esse vazio, por estarem sempre (pre) ocupadas com a própria sobrevivência. Não afirmo por todos, mas garanto que já ouvi muitos se referirem ao mesmo vazio existencial dos ricos e poderosos.
O diabo é que esse tal vazio é democrático. Está acessível a todos, independentemente de idade, sexo, origem, cor da pele, classe social, grau de instrução etc. Às vezes, confunde-se e mistura-se com o tédio, embora não seja dele um sinônimo.
O vazio traz tédio, mas nem todo momento tedioso tem como causa a sensação de vazio. O nada – e não citarei Sartre para não ir mais longe do que pretendo – é que faz sua ronda e, volta e meia, pega um. Faz o sujeito parar de repente e indagar-se: “Para quê?”.
Confesso que tenho essa sensação de vazio, e ela não é rara em mim. Às vezes, com o perdão do trocadilho, chego ao ponto de ficar cheio de tanto vazio. O mundo me parece ruidoso demais, espalhafatoso demais, vulgar demais. O corre-corre, por exemplo, subitamente se torna patético. Corre-se tanto atrás de quê? Aonde se quer chegar?
Alguns podem até achar que o vazio tem origem no ócio. Pois eu aposto que ele está mais relacionado ao contrário: ao excesso de atividade. Em algum momento, a máquina pára. Em algum momento, o turbilhão cessa. Mesmo que seja por minutos.
Paixões de todos os tipos, ambições de diversos níveis, o consumo de incontáveis produtos, o apetite por numerosos sabores, a curiosidade sobre múltiplos assuntos, esse império do insaciável faz o mundo girar em altíssima velocidade, como uma roda-gigante desgovernada. Como não ficar tonto e querer que tudo pare?
Curiosamente, penso que talvez o vazio possa confortar. Talvez reduza a ansiedade. Talvez diminua a arrogância. Talvez simplesmente permita uma pausa nas frivolidades da vida. Ademais, ele igualaria todos, inclusive os que talvez não percebam sequer que há um vazio dentro de si. Bendito vazio? Maldito vazio? Não sei. Ele me enche às vezes, mas também me silencia outras tantas. É…
Lu,
Como sempre os seus textos são ótimos!
Sou leitora assídua do seu Blog, mas pouco compartilho meus comentários, mas este texto me fez parar e pensar como estou “cheia de vazios”… Me fez, também, lembrar de uma música do Chico, que fala de vazio:
É sempre bom lembrar
Que um copo vazio
Está cheio de ar.
É sempre bom lembrar
Que o ar sombrio de um rosto
Está cheio de um ar vazio,
Vazio daquilo que no ar do copo
Ocupa um lugar.
É sempre bom lembrar,
Guardar de cor que o ar vazio
De um rosto sombrio está cheio de dor.
É sempre bom lembrar
Que um copo vazio
Está cheio de ar.
Que o ar no copo ocupa o lugar do vinho,
Que o vinho busca ocupar o lugar da dor.
Que a dor ocupa metade da verdade,
A verdadeira natureza interior.
Uma metade cheia, uma metade vazia.
Uma metade tristeza, uma metade alegria.
A magia da verdade inteira, todo poderoso amor.
A magia da verdade inteira, todo poderoso amor.
É sempre bom lembrar
Que um copo vazio
Está cheio de ar.
bjs,
Ana
Grato pela atenção, Ana! Aliás, você é uma das primeiras, muitas vezes a primeira, a ler meu post mais recente, pois é assinante. Muitas vezes, só divulgo o texto no Facebook bem depois de tê-lo publicado no blog, por motivos que não vêm ao caso agora. Adorei a canção do Chico. Não a conhecia! Bem a calhar.
Bjs,
Luciano.
Adorei o texto! Estava pensando sobre isso essa semana. Trabalho meio período, sou privilegiada por isso e sinto um pouco de “culpa” por ter tempo e ser tranquila. “Tenho que aproveitar esse tempo!”. É a frase que fica na minha cabeça. Mas em que? Fazendo o quê? Sempre penso que tudo nessa vida tem um sentido, que temos uma “missão” e que temos que contribuir para deixar um mundo melhor ou dar o melhor de nós para as pessoas. Sinto o vazio quando tudo na vida está bem e não há pelo que correr atrás (tenho trabalho e saúde, amigos e família, hobbies e recursos materiais suficientes para levar um vida tranquila). Mas neste cenário de correria sempre sinto que falta alguma coisa. É como se a sociedade e o life style vigente te pressionasse a precisar de mais, mais e mais. E não falo apenas sobre status ou consumo. Quando sinto esse vazio é porque quero as respostas para perguntas universais: quem sou, pra onde vou, qual é a minha missão nessa existência? Tudo tem que ter sentido para mim. 🙂
Obrigado pelas palavras de incentivo, Patrícia! Vc confirma o que digo no artigo: a esmagadora maioria das pessoas sente esse vazio de vez em quando. Talvez ele seja inerente ao ser humano. Beijos.