Posso estar enganado, mas…
A maioria das discussões me parece inútil. Pouco ou nada se aproveita delas.
Êpa! Já ia me esquecendo! É importante dizer, antes de tudo, que neste texto utilizo a palavra “discussão” (e seu plural) em sentido amplo, como um guarda-chuva sob o qual se abrigam outras, entre elas debate e controvérsia. Estou ciente, porém, de que diversos autores distinguem magistralmente esses termos. Apenas optei por um emprego mais genérico de “discussão”. Deixo para os especialistas a discussão sobre a palavra “discussão”.
Dito isso, volto ao ponto de partida: a maioria das discussões não leva a nada. São “diálogos de surdos”. Nenhum dos lados está disposto a ceder. Não raramente, o resultado de uma discussão é um desentendimento ou um atrito ainda mais grave. Muitas vezes, indago-me por que ainda discuto, por que a maioria de nós ainda discute. Por que perder tempo e, às vezes, amigos por causa de uma discussão?
Como discutir parece irresistível a tanta gente, penso se há exceções, ou seja, discussões úteis, válidas, enriquecedoras e até necessárias. Quais seriam elas? Sugiro algumas:
Debates político-eleitorais – Por mais teatrais que sejam, eles contribuem para os eleitores terem idéia do que os candidatos a cargos eletivos defendem. Nesses debates, os participantes também acabam demonstrando algumas de suas características pessoais, que podem ter impacto na maneira de eles governarem ou legislarem.
Bem ou mal, os debates são uma forma importante de se conhecer um candidato, mesmo que superficialmente. Antes ter algumas informações sobre eles do que nenhuma. Detalhe: se um debate entre candidatos degenerar em baixaria, isso também se converte em informação relevante para o eleitor, ou seja, pode despertar a dúvida: quem perde a compostura em público possui inteligência emocional suficiente para ser político?
Vários debates seguidos permitem ao eleitor observar também se os candidatos são coerentes. Ao fim e ao cabo, debates político-eleitorais são um componente relevante em uma democracia.
Debates acadêmicos – A universidade é (ou deveria ser sempre) o espaço por excelência do debate de idéias. Em cursos, seminários, simpósios etc., professores e estudantes têm a oportunidade de apresentar opiniões, hipóteses, reflexões, descobertas, teorias, questões, dúvidas e ouvir críticas ou elogios, que lhes permitam reforçá-las, aprimorá-las, reformulá-las ou abandoná-las. Mesmo quando os participantes mostram-se arraigados em suas posições, os pensamentos afloram, circulam.
Novos e velhos problemas vêm à tona, assim como novas e velhas respostas para eles. É preciso ser muito recalcitrante para sair de um debate acadêmico exatamente como entrou. Aliás, seria isso realmente possível?
Ainda que haja discussões universitárias sem conclusão (na Filosofia, por exemplo, tal ocorrência é comum e vista como natural), elas costumam ter valor em si mesmas. Afinal, arejam as mentes abertas e sacolejam as fechadas. O conhecimento só tem a ganhar.
Por fim, cabe lembrar que, no ambiente acadêmico, costuma haver tempo e espaço físico suficientes para se discutir um tema – não raramente, à exaustão (como nos cursos mais longos). Majoritariamente presenciais, esses debates permitem que se ouçam as vozes (com seus tons e alturas), se vejam as expressões, se observem os gestos e olhares dos participantes. Mesmo que a presença física não evite completamente os ruídos de comunicação e os mal-entendidos, ela favorece o entendimento do que o outro quer dizer.
Nada disso impede, claro, que haja debates herméticos, confusos, inflamados e até medíocres no meio acadêmico, mas o ambiente universitário me parece, de longe, o mais adequado para se debaterem idéias.
Diálogos presenciais entre amigos – É pouco usual incluir o diálogo amigável entre as formas de discussão, mas, como alertei no início deste artigo, tomo a liberdade de dar a esse termo um sentido mais abrangente. Portanto, permito-me incluir esse tipo de diálogo sob o guarda-chuva conceitual da discussão.
A propósito, a palavra “diálogo”, neste contexto, é a que mais remete à idéia de consenso, de convergência de pensamento, de abertura ao outro. Quando duas pessoas, que se apreciam mutuamente, conversam cara-a-cara, elas geralmente partem de um terreno comum a ambas: a confiança mútua.
Costuma haver menos (ou nenhum) “pé atrás” em um diálogo honesto. Os dois lados ou compartilham pensamentos semelhantes e apóiam-se nessa concordância ou buscam, com suporte recíproco, descobrir se estão enganados sobre algo e, em caso afirmativo, por quê.
Evidentemente, diálogos, mesmo entre amigos, podem degenerar em discussões acaloradas que resultem em briga. Todavia, o contrário também ocorre: diálogos permitem reconciliações. [Um aparte: haveria paz sem diplomacia? Haveria diplomacia sem diálogo?]
Gosto de enfatizar a importância de essas conversas serem presenciais porque, à distância, crescem as chances de ruídos e mal-entendidos – afinal, tom e altura de voz, assim como expressões corporais, fazem toda a diferença na interpretação de um discurso.
Reuniões de trabalho com pautas objetivas e definidas – Ao redor de uma mesa, profissionais podem tanto perder tempo a discutir “o sexo dos anjos” (nas célebres reuniões em que alguns participantes divagam, desviam-se dos pontos em questão, enquanto outros se distraem, por exemplo, brincando com o aparelho celular) quanto podem (e devem!) concentrar-se em uma agenda pré-definida, com objetivos claros e noção de timing.
Incluo reuniões produtivas entre os debates úteis, necessários, pois delas costumam depender decisões importantes. Nelas, há espaço para se apresentarem problemas e soluções, cenários, idéias, propostas, sugestões, dúvidas etc., sem contar a oportunidade de alinhamento de informação e posicionamento.
Entretanto, as reuniões de trabalho só têm relevância se seus participantes estiverem realmente decididos a sair delas com resultados ou, no mínimo, alguns consensos. Nesse caso, penso que há duas “palavras mágicas”: abertura e comprometimento. Tanto o condutor de uma reunião quanto os demais integrantes precisam estar abertos e comprometidos com soluções que favoreçam a realização dos objetivos mais importantes para o grupo, independentemente de suas convicções pessoais.
Poderia relacionar mais exemplos (poucos). Por ora, contento-me com esses. Até porque a maioria restante é bate-boca sem serventia. Desse gênero, seleciono dois casos típicos:
Discussões nas redes sociais – Elas representam o extremo oposto de um saudável debate acadêmico. Exceto por um ou outro fórum, essas discussões costumam ser mera zombaria ou típica “roubada”, porque o espaço para a redação e a leitura dos textos (sejam posts, sejam comentários) é inadequado; os recursos de comunicação são limitados; as vantagens dos debates presenciais estão ausentes; acontece de haver desconhecidos envolvidos; e sobejam superficialidade, egos inflados e, conseqüentemente, o desejo disfarçado ou não de derrotar o outro em público – afinal, não há uma organização prévia, ascendente, moderadora, que estabeleça objetivos comuns e minimamente nobres.
Em suma: discussões nas redes sociais tendem a ser reles bate-bocas virtuais, conflitos de idéias geralmente esquecidos horas depois ou patéticas trombadas de egos. Um post bem-humorado costuma ser mais eficaz que um ataque verborrágico.
Discussões à mesa de um bar – Praticamente, dispensam comentários. Bebida e racionalidade nunca formaram um lindo casal. Alguns dirão, talvez, que muitos poemas e letras de música tiveram em um boteco sua sala de parto. Posso apostar que tais obras artísticas passaram por revisões posteriores, em momentos de sobriedade .
Ademais, considero a arte exceção, pois ela não depende exclusivamente do componente racional. Já o debate de idéias, questões, teorias etc., vejo-o realmente deslocado em um bar, onde as pessoas costumam se reunir para divertir-se, confraternizar-se.
À mesa de um boteco, política, economia, religião, entre outros temas polêmicos merecem, no máximo, permanecer na superficialidade de um pires (melhor seria dizer um porta-copo de papelão) para que se evitem atritos que o álcool só potencializa.
Lembro que esta não é a primeira vez em que toco neste assunto aqui. Isso demonstra a reincidência de fatos que realmente me incomodam e devem incomodar muita gente. Confesso estar realmente cansado de tanto antagonismo, tanta belicosidade, tanta “carnificina”, sobretudo nas redes sociais.
Admito que, várias vezes, meu sangue “ferve”, mas tenho procurado ao máximo evitar debates inúteis e alegra-me profundamente revelar que venho escapando de muitos deles.
Para encerrar, cito, apenas a título de analogia, o que afirmou, certa feita, o político britânico Arthur Neville Chamberlain (1869-1940):
“In war, whichever side may call itself the victor, there are no winners, but all are losers.”
[“Na guerra, qualquer que seja o lado que possa proclamar-se vitorioso, não há vencedores, pois todos são perdedores.”]

Arthur Chamberlain (1869-1940).