Intolerância e solidão via satélite.

O ódio me assusta, me incomoda, mas não me surpreende. Ele está em todo lugar desde que o mundo é mundo. Parece fazer parte da natureza humana. Talvez nunca desapareça de vez. De algumas décadas para cá, no entanto, tenho a clara impressão de que o ódio está mais explícito, mais visível. Por que será? Arrisco alguns palpites.

Acertou quem apostou no óbvio: as novas tecnologias de comunicação. O “megafone” agora alcança bilhões de pessoas. Graças a equipamentos ultramodernos, como os satélites, o intercâmbio entre indivíduos e comunidades está mais fácil, rápido, abrangente e indiscreto. As mensagens circulam como nunca na história da humanidade.

Satelite

Eu disse “humanidade”? Pois é… Essa humanidade, que inventou os satélites, os smart phones, os tablets, entre outros gadgets sofisticados, os quais vieram relativamente pouco tempo depois de seus “avós” — jornal, revista, rádio, cinema e televisão –, essa mesma humanidade, que tanto avançou tecnologicamente, permanece na Idade da Pedra quando se trata de administrar emoções e sentimentos. Eis onde entra o ódio.

Outro dia, um amigo fez um sóbrio alerta em uma rede social: as pessoas estão freqüentemente em contenda. Brigam por dá cá uma palha! De repente, um debate converte-se em expressão de raiva e, às vezes, de ódio profundo. Vêm à tona ameaças, xingamentos. Nessa seara, sobram calúnias, infâmias, difamações. É uma guerra virtual.

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Se meu primeiro palpite para essa explicitação do ódio está nas novas e mais poderosas plataformas de comunicação de que a intolerância dispõe para se expor, um segundo palpite está na maior distância física que os novos media favorecem entre os interlocutores. De longe, as pessoas parecem sentir-se mais seguras e confortáveis para ofender. Afinal, estão fora do alcance imediato de mãos que esbofeteiam, braços que desferem socos e de pés que distribuem chutes. Pode-se imaginar pior: nos meios contemporâneos, os adversários (muitas vezes desconhecidos uns dos outros ou recém-conhecidos) estão fisicamente distantes do risco de morte.

Essa condição dá coragem, que, em alguns casos, também pode receber o nome de irreverência. É mais fácil ter ousadia de longe. Cara-a-cara, tudo muda. Parte do que se diz por escrito jamais sairia da boca de duas ou mais pessoas diante umas das outras. Com isso, obviamente, não estou me esquecendo de que há e sempre houve atritos face-a-face — aliás, o índice crescente de homicídios no Brasil é prova de que a presença física tampouco evita atos de ódio.

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Meus palpites — aliás, nada originais, pois certamente estão em numerosos artigos e livros sobre o tema — apenas endossam e reforçam a opinião de que as novas tecnologias de comunicação amplificam o que seus usuários transmitem — para o bem e para o mal. Não se trata de responsabilizá-las pelo ódio no mundo. Está nas pessoas a capacidade ou a incapacidade de utilizar as ferramentas mais avançadas para disseminar idéias comprometidas com a construção de consensos e não com o estímulo ao “bate-boca” ou atos mais graves de intolerância.

Fico pensando no resultado desse uso inadequado dos meios contemporâneos de comunicação. Também acertou em cheio quem já leu a respeito ou deduziu o óbvio: uma paradoxal solidão. Afinal, com tantos aparatos disponíveis para aproximar as pessoas, a solidão parece aumentar. A comunicação interpessoal continua pobre, limitada, precária.

Às vezes, as novas tecnologias chegam a contribuir para que as pessoas se isolem umas das outras por um viés curiosamente positivo: a oportunidade de ouvir, ler e ver uma quantidade incalculável de sons, letras, imagens. Há fatura de informação em todos os meios de comunicação de massa. Quem quiser pode passar um final de semana inteiro trancado dentro de casa e não lhe faltarão atrações: música, literatura, filosofia, noticiário, balé, teatro, cinema etc. Mas, de novo, essa é uma escolha do indivíduo.

Solidao

Muita gente aprendeu a conciliar a dependência das novas tecnologias (sobretudo do smartphone, o “queridinho” do momento) com o saudável convívio presencial. Os restaurantes, bares, cinemas, teatros, museus atraem bilhões de pessoas mundo afora. Mas é preciso reconhecer, igualmente, que, mesmo em público, a maioria não desgruda de seu smartphone ou de seu tablet — e não faltam bares e restaurantes com imensos aparelhos de televisão.

Eu mesmo já escrevi neste blog sobre os casos, não raros, de pessoas reunidas a uma mesa, e cada uma, simultaneamente ou em momentos separados, isola-se durante minutos para teclar ou conversar ao celular. A maioria de meus conhecidos faz isso, com maior ou menor freqüencia — eu próprio, inclusive. É como se o ser humano almejasse o dom da ubiqüidade, até há pouco tempo atribuído somente a Deus (para quem n’Ele acredita). Somente Ele teria o poder da onipresença. Hoje em dia, o homem parece ter a pretensão de querer estar presente em lugares diferentes ao mesmo tempo.

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Reitero meu ponto de vista: esse excesso de contatos leva, paradoxalmente, à solidão. Afinal, quem quer dar e receber atenção de todos acaba por não conseguir dar e receber a atenção de ninguém em especial. Quem é de todos não é de ninguém. É como a solidão dos pop stars: eles têm uma multidão cantando, gritando, aplaudindo-os, mas, ali no palco, eles, na verdade, estão sozinhos (no máximo, com o apoio de sua banda). Nos camarins, provavelmente não se lembram de nenhum rosto da platéia.

É curioso notar a quantidade de astros e estrelas que cometem suicídio. Se a admiração e a presença dos milhares de fãs lhes bastassem, tantos pop stars não dependeriam de elevada quantidade de álcool e drogas, não sofreriam de depressão, não se sentiriam tão sós e não poriam fim à própria vida — direta ou indiretamente (quando utilizam substâncias que, em excesso, eles sabem, podem levar à morte).

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Está em poder de cada um utilizar as novas tecnologias da comunicação para disseminar idéias construtivas, debater mantendo o respeito à divergência de opiniões, distribuir humor (portanto, alegria), informar, divulgar produtos saudáveis, entre outras ações que gerem bem-estar social, e não mais ódio.

Todavia, minha impressão é a de que os pacíficos (mesmo se forem maioria) têm pouca força diante de uma minoria tão raivosa quanto ruidosa. Aparentemente, o ruído da guerra tem vencido o sussuro da paz. As novas tecnologias, claro, não têm culpa disso. É como responsabilizar o carteiro pela má notícia contida na carta. O ódio que cada um carrega dentro de si é o responsável pelo mau uso dos novos media e não o contrário.

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A esperança é que, uma vez explícito esse ódio, quem o nutre e dissemina aproveite a oportunidade para observá-lo, analisá-lo, compreendê-lo e, finalmente, tratá-lo. Quem sabe assim debates não mais degenerem em inimizades, e a diversidade em geral se torne motivo de orgulho e não de preconceito e discriminação? Nada custa sonhar…

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