No artigo anterior, divaguei sobre a sedução a partir do possível destino de um típico sedutor, o personagem Leandro Dantas, de Cauã Reymond, na minissérie “Amores Roubados”, que a Globo exibiu na semana passada. Agora, todos já sabem que ele se deu mal. De novo, a ficção me fez pensar na realidade. Por que alguns sedutores se dão bem e outros quebram a cara?

Suspeito de que o excesso de autoconfiança prejudique qualquer projeto, seja a conquista de um cargo, seja a conquista de uma mulher (ou de um homem), para ficar em dois exemplos apenas. Como diz o ditado, “o mal do esperto é achar que só ele é esperto”. Leandro Dantas era excessivamente autoconfiante. Deu várias provas disso. Acabou mal.
A minissérie deu pista, mais de uma vez, de que algo ameaçava a vida de Leandro: a revelação de uma vidente à mãe dele, segundo a qual Leandro poderia ter a mulher que desejasse, desde que nunca se apaixonasse por nenhuma. O jovem conquistador não levou a previsão a sério e apaixonou-se por Antônia, papel de Ísis Valverde. Mas essa é uma falsa pista, ou melhor, uma pista típica de ficção, válida porque tempera a trama, dá-lhe um toque de mistério, de sobrenatural.

A verdade é que Leandro quebrou a cara porque confiou demasiadamente na própria sorte. Julgou que seria para sempre como um amigo do rei de Pasárgada: teria a mulher que quisesse na cama que escolhesse. Não contou com os imprevistos da vida. Como se diz no futebol, não combinou com os russos.
Leandro não imaginou que pudesse se apaixonar de verdade nem que o marido de uma das mulheres que seduziu descobriria o próprio “chifre” e vingar-se-ia dele com requintes de crueldade. Mesmo sob a mira de revólveres, Leandro não perdeu a altivez. Lutou bravamente pela vida até o último instante. Em vão. Metaforicamente, despencou do alto. Caiu, de fato, num precipício. Viveu no fogo das paixões e morreu carbonizado.
O jovem conquistador era tão sedutor que conquistou também o público, o qual certamente torcia por ele. Os mais românticos esperavam vê-lo redimido nos braços de Antônia, a bela Ísis Valverde, pronta a aceitá-lo tal qual ele era, literalmente um filho da puta (para quem não viu a minissérie, Leandro era filho de uma prostituta). Confesso que eu não esperava um final feliz, típico de telenovela, numa minissérie com aquela sofisticação narrativa. O triste fim de Leandro Dantas não me surpreendeu.
A basear-se exclusivamente em “Amores Roubados”, a conclusão que se tira é a de que a sedução é perigosa demais. Não vale a pena. Pode significar a perda da própria vida, entre outras perdas. No entanto, no mundo real, sabe-se que não faltam sedutores bem-sucedidos. Passam a vida a machucar corações ou a proporcionar gozos ou ambos sem que nada de mal lhes ocorra.
Desconfio de que esses consigam a proeza de não subestimarem seus potenciais adversários, inclusive as próprias conquistas. Como se sabe, há pessoas que não se contentam em se separar quando descobrem uma traição. Elas querem vingança. E há seduzidos e seduzidas que, uma vez abandonados, recusam-se a aceitar o fato e partem para um vale-tudo: chantagens, ameaças, escândalos, agressões físicas.
O sedutor bem-sucedido sabe quem “atacar”. Escolhe cuidadosamente sua “presa”. Não ilude quem não deve iludir. Dá prazer, mas evita despertar sentimento. Joga com quem sabe jogar. Não leva para a cama a mesma pessoa mais de uma vez e, quando faz isso, demonstra — seja de forma clara, seja de forma sutil — que dele só se deve esperar sexo. Tenho um amigo que chega a inventar que tem namorada e não pretende se separar dela para não nutrir esperança nas garotas com quem ele só quer diversão.
A irônica realidade é que o sedutor bem-sucedido costuma ser honesto. Não ilude. Não mente. Inclusive para si próprio. Porque o sedutor mal-sucedido quer acreditar que é bom moço e, para isso, comporta-se como tal. Chega ao ponto de acreditar na personagem que criou para si mesmo. Então, além de seduzir sexualmente, desperta paixões. Curiosamente, ao mesmo tempo em que escraviza (porque prende pessoas), também se escraviza (porque de suas conquistas depende sua auto-estima).
Bem… Cá estou eu metido a psicólogo! Para ser sincero, apenas me baseio no que vejo, presencio, observo, ouço, leio. Está tudo aí para quem quiser ver, presenciar, observar, ouvir, ler. O mundo está repleto de Leandros (e de mulheres sedutoras como ele também). Não há como saber se a maioria se dá bem ou mal. Reitero o que disse no artigo anterior: a sedução é uma aposta de risco. É preciso ter sangue frio para entrar nesse jogo porque, como diz o próprio Leandro em uma de suas falas na minissérie: “Neste mundo, ou você seduz ou é seduzido.”
Leandro viveu as duas experiências. Morreu. Quem ele seduziu também sofreu. E ele próprio, mesmo que tivesse sobrevivido, poderia ter sofrido ao ver sofrer a única mulher na vida que ele julgava amar de verdade — pois, mais cedo ou mais tarde, ela descobriria que ele havia tentado seduzir até a mãe dela, a ponto de levá-la à beira da loucura.
Fora da ficção, a roleta russa não é muito diferente — tanto para sedutores quanto para seduzidos. Nessa seara, os fracos não têm vez.