Outro dia, em uma revista que considero de qualidade, li reportagem especial sobre preconceito. Havia nela reflexões e depoimentos interessantes. Só lamentei o fato de o autor ter ignorado a diferença entre preconceito e discriminação. Alguns entrevistados fizeram o mesmo. Observei que até especialistas tratam um e outra quase como sinônimos e, definitivamente, não o são.
Acho essa distinção imprescindível tanto para entender quanto para enfrentar essas duas posturas. Evidentemente, os estudiosos conhecem a diferença entre os dois conceitos, mas possivelmente preferem optar, nas entrevistas, por uma forma mais popular de expressão. Afinal, à mesa de bar, a maioria das pessoas usa indistintamente os termos “preconceito” e “discriminação”. Há mesmo quem os repita sem, de fato, já ter parado para pensar neles, no que eles realmente significam. Vale a pena, portanto, tentar desfazer essa confusão.
Gosto de dizer, para quem não tem o costume de refletir sobre o tema, que o significado de preconceito já está embutido na própria palavra: pré-conceito, ou seja, conceito antecipado, prévio, anterior à ponderação, ao conhecimento. Sei que milhares de pessoas, Brasil afora, conhecem e oferecem exatamente a mesma explicação. Não me julgo original. No entanto, o uso indiscriminado (sem trocadilho) da palavra “preconceito” aponta para o contrário: poucos enxergam o sentido dentro do termo.
Mesmo quem sabe parece esquecer-se de que o preconceito está mais próximo do pensamento, da teoria, da crença. Tanto é assim que alguém pode guardar um preconceito para si, nunca o demonstrar. Ele independe de manifestações explícitas. Pode ser velado e até mesmo inconsciente.
A discriminação, por sua vez, está mais próxima da ação, do ato, da prática. Não há como guardar só para si um gesto de discriminação (a menos que seja contra si próprio, e olhe lá…). Ela é demonstração, manifestação, expressão por excelência. Nada tem de velado e dificilmente será inconsciente. Pode-se até forçar a barra um pouquinho e encontrar no próprio termo uma pista para seu significado: discrimin-ação.
Discriminar é, antes de tudo, diferençar, discernir, distinguir. O sentido amplia-se, então, para separar, especificar, delimitar. Finalmente, adquire a conotação pejorativa de segregar. Trata-se de atos objetivos. A discriminação é, sobretudo, uma atitude.
Quando discuto o assunto com amigos, gosto de lembrar que uma pessoa pode ter preconceito e não chegar a discriminar, mas dificilmente ela poderá discriminar sem ter preconceito. Eis onde a distinção entre um e outro termo faz a diferença.
Muita gente, porque não discrimina, acha que não tem preconceito. Daí o sujeito se achar “cabeça aberta” porque não maltrata, por exemplo, negros nem homossexuais. No íntimo, ele nutre profundo preconceito. Distraído, pode demonstrar isso espontaneamente. Na hora da raiva, também.
Tenho um amigo que sente orgulho ao afirmar não ter preconceito contra gay. Alega ter amigos homossexuais, sair com eles, abraçá-los em público, gostar deles enfim. No entanto, quando discute o tema “homossexualidade”, suas idéias são extremamente preconceituosas. Posso apostar que, uma vez à espera de um filho, ele terá medo de a criança ser gay. Imaginar-se a si próprio homossexual, então, nem de brincadeira!
Uma pessoa assim pode até não discriminar um gay em seu cotidiano, mas o preconceito guardado dentro dela poderá vir à tona se a emoção dominar a razão. Claro está que o preconceito não impede uma pessoa de gostar de outra contra a qual ela guarda restrições. Daí nascerem amizades entre indivíduos bem diferentes. Mas, para isso, é indispensável que o preconceito não se manifeste, pois logo se converteria em discriminação, e a amizade sofreria abalo ou mesmo teria fim.
As leis brasileiras que pretendem conter as diferentes formas de discriminação até obtêm algum êxito, mas nada podem fazer contra o preconceito guardado no íntimo das pessoas. Contra esse, a educação e o convívio respeitoso podem cumprir valoroso papel.
Portanto, compreender e aplicar no discurso corrente a distinção entre preconceito e discriminação podem contribuir para que bilhões de preconceituosos não se julguem com mente aberta e, inconscientemente, perpetuem sua visão equivocada de pessoas, lugares, condições e situações.