O desafio do diferente.

Diz o ditado que “pássaros da mesma plumagem voam juntos”. Isso parece ser verdade. Mas deveria? Sempre? Tendo a crer que não.

É óbvio que, se eu viver o tempo todo rodeado de semelhantes, não vou conhecer aqueles que pensam, sentem e agem de maneira diferente da minha. Se eu não os conhecer, vou alimentar preconceitos sobre eles e corro o risco até de achar que estou sempre certo, minha visão de mundo é a mais adequada, e meu modo de viver é o melhor.

Diversidade2

 

Por outro lado, quando aceito o desafio de realmente me aproximar de pessoas bem diferentes de mim (ou, em termos mais precisos, de pessoas que parecem ter pouco ou quase nada em comum comigo), preciso ter muita paciência com mal-entendidos, incompreensões e atritos diversos.

Há bastante tempo, venho encarando o desafio de me relacionar com pessoas de idades, origens, formação, orientação política, orientação sexual, crença religiosa, atitudes, posturas bem diferentes das minhas. Enfatizo o “bem”. Não me refiro a pessoas um pouco diferentes. Refiro-me a muito diferentes. Ao menos à primeira vista.

Tenho amigos que, pela idade, poderiam ser meus filhos. Posso garantir que a amizade nasceu, cresceu e se mantém espontaneamente. Ninguém forçou ou força nada. Também tenho amigos que não gostam muito de ler, de estudar — e sou quase viciado em leitura e estudo. No meu rol de amigos, há ainda os que brigam por seu time de futebol — e confesso que, por mais rubro-negro que eu seja, não perco uma noite de sono por causa de derrotas do Flamengo.

Convivo bem com petistas e tucanos, liberais e conservadores (desde que aceitem o jogo democrático), “patricinhas” e voluntárias de ONG (uma amiga, aliás, consegue ser uma e outra), “mauricinhos” e ativistas de direitos socioambientais, playboys e intelectuais, bacharéis em Filosofia e atletas que só abrem um livro se for sobre esportes, crentes (inclusive evangélicos) e ateus, “machos-alfa” e bichas loucas, ricos e pobres, patrões e empregados.

E se eu fosse rasta? Viva a mistura!

E se eu fosse rasta? Viva a mistura!

Claro está que as oposições acima são meramente didáticas, pois, como se sabe, nada impede que um filósofo seja também um atleta e vice-versa. Por aí vai. No entanto, no que diz respeito ao meu círculo de amigos e conhecidos, há realmente alguns contrastes — às vezes, até disparates. Tenho tido êxito na administração dessa rede multifacetada. Quando acho cabível, até misturo uns e outros. Raramente, presenciei atritos entre eles. No geral, as relações têm sido tranqüilas.

O problema, quando há, está mesmo entre mim e os amigos muito diferentes de mim. De vez em quando, pipoca um mal-entendido. Evidentemente, não falamos a mesma língua o tempo todo. Há larga margem para interpretações equivocadas de um lado e de outro. Valores se chocam. É preciso ter muita paciência, coração aberto e disposição ao diálogo para administrar as diferenças e preservar a amizade.

People

 

Mais cômodo seria relacionar-se apenas com os semelhantes. Mas penso que eu aprenderia menos sobre a vida em geral e as pessoas em particular. Essa é uma perda com a qual não gostaria de conviver. Abrir mão do contato com o diferente equivale, para mim, a recusar um convite para uma grande festa apenas porque não sei quem vou encontrar lá.

O irônico disso tudo é dar-se conta de que, no fundo, no fundo, as pessoas não são tão diferentes entre si quanto imaginam. Tenho amigo playboy com a mente mais aberta do que a de muito acadêmico por aí. Julgar o outro pela aparência (e julgar mal quando a aparência do outro é muito diferente da própria) é um passaporte carimbado para o reino da “Intolerândia”.

Por incrível que pareça, acontece de eu ser alvo de preconceito por romper certos preconceitos. Há quem não compreenda como alguém como eu pode ter um amigo ou uma amiga assim ou “assado”. Esse paradoxo seria irônico, não fosse absurdo — e, em última análise, desumano.

Preconceito

Curiosamente, para não ser contraditório, preciso entender até mesmo essa incompreensão de alguns, pois devo admitir que, um dia, também eu privilegiei os que eu julgava semelhantes a mim. Em outras palavras, tive muito mais preconceitos do que tenho hoje. Suspeito de que, nesse sentido, evoluí. Talvez por isso, ainda me incomode ver tipos que me remetem imediatamente aos versos de Sampa (a bela canção de Caetano Veloso): “É que Narciso acha feio o que não é espelho…”.

Aprendi a achar beleza longe do espelho e fiz mais amigos, conheci mais pessoas e descobri outras tantas que conquistaram essa percepção bem antes que eu. Vivo bem melhor assim. Recomendo!

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