Virgindade, esse estranho objeto de desejo.

O leilão da virgindade da jovem catarinense Ingrid Migliorini tem dado o que falar. Praticamente todos os dias, há uma notícia sobre esse fato na imprensa. Há artigos de intelectuais também. Li dois, ambos da Folha de S. Paulo: o de Helio Schwartsman e o de Contardo Calligaris. Schwartsman tem formação em Filosofia. Calligaris, em Psicanálise. Nada li, até agora, de autoria de uma mulher, o que seria interessante. Portanto, detenho-me a comentar, de passagem, apenas as idéias dos dois colunistas da Folha e, finalmente, atrevo-me a dar meus palpites.

Virgem_leilao

Em síntese, Schwartsman segue a linha de raciocínio do psicólogo evolucionista Paul Bloom. Cito diretamente as palavras de Schwartsman em seu artigo “O fim da virgindade”, publicado no último dia 14: “Tamanho interesse tem raízes evolutivas. Desde que a fêmea humana deixou de anunciar ostensivamente seu período fértil, como o faz a maioria dos primatas, ficou muito mais difícil para o macho ter certeza de que o filho que ele criaria era mesmo seu. E investir recursos no desenvolvimento de genes alheios é, em termos biológicos, um desastre. Um modo de aumentar as chances de o rebento ser legítimo era copular preferencialmente com virgens.”

Calligaris ataca esse argumento. Com ironia, insinua que Bloom não teria como saber o que tinham em mente os homens do Pleistoceno. Cito agora Calligaris no texto “Quanto vale uma virgem?”, do dia 18 passado: “Enfim, meus informantes do Pleistoceno (diferentes dos de Bloom), além de não saberem o que é um gene, tampouco sabem que é transando que se engravida uma mulher. Os poucos com os quais conversei confessaram, aliás, que eles preferiam mulheres que não fossem virgens, pois, percebendo que corticoides e antibióticos levariam tempo para serem inventados, eles estavam com muito medo de esfolar seu membro.”

O psicanalista oferece sua opinião sobre o assunto nestes termos: “Código à parte, a virgem tem uma série de atrativos. 1) Para ela, por mais que sejamos medíocres, seremos inesquecíveis. 2) Diante dela, em tese, seremos sem rivais (doce ilusão e mais um conselho prático: em matéria de amor, melhor rivalizar com um outro real do que com a idealização de outros apenas sonhados). 3) A ignorância sexual da virgem alimenta a ilusão de que podemos lhe ensinar alguma coisa e que, portanto, sabemos algo sobre o sexo.”

Cabe notar que tanto Schwartsman quanto Calligaris não condenaram Migliorini. Menos mal. Evitaram o juízo de valor. Detiveram-se na tentativa de compreender por que os homens valorizam a virgindade das mulheres (o lance final para romper o hímen da jovem catarinense ficou em U$ 750 mil).

Ambos os articulistas coincidem também na crença de que, por trás dessa supervalorização da virgindade, está a insegurança masculina. Seja por instinto de preservação do próprio gene, seja por necessidade de auto-afirmação, os homens, em geral, vêem nas virgens a oportunidade de estar por cima (sem duplo sentido).

Machismo

Tendo a concordar com Calligaris, embora eu seja simpático à psicologia evolucionista. E concordo com os dois quanto à possibilidade da insegurança masculina. Agora, atrevo-me a ir mais longe, mesmo sem a competência teórica de um e de outro. Baseio-me em experiências próprias e alheias, em leituras, observações e reflexões.

Seguem meus palpites:

1- Acredito que a maioria dos homens valoriza a virgindade. Há exceções, claro. Por isso, refiro-me a uma maioria, que possivelmente tende a se reduzir com o passar do tempo (e não me atrevo, aqui e agora, a tentar explicar por quê, pois fugiria do tema central desta postagem).

2- Os homens que valorizam a virgindade são assim por três motivos — isolados ou combinados, conforme o caso: insegurança (como bem sintetizou Calligaris em seu artigo), fetiche (o que mais faria um japonês do outro lado do planeta pagar U$ 750 mil para tirar a virgindade de uma mulher quando poderia obter o mesmo de graça ou por bem menos dinheiro?) e cultura (a famosa “cultura machista”).

3- Sobre o fetiche, Calligaris e Schwartsman nada disseram. Quanto ao aspecto cultural, Calligaris o contemplou quando mencionou o “código de honra”, vigente entre os homens há séculos. Avanço nessa idéia ao lembrar que a noção de propriedade inclui a mulher. Nas sociedades patriarcais, a mulher converteu-se em objeto, portanto, suscetível à posse.

Talvez não seja mera coincidência quando se diz que um homem “possui” uma mulher ao penetrá-la. A mulher seria, então, patrimônio do pai e, depois, do marido tanto quanto a terra, o gado, a casa, os escravos, os empregados etc. A mulher, na condição de objeto, tem maior valor quanto menor o seu uso. Da mesma forma que determinados objetos valem mais por serem novos (como um carro 0 km), a mulher valeria mais virgem. Não é meramente casual a expressão “mulher rodada” para se referir à mulher que fez sexo com muitos homens.

Publicidade_mulher_carro

4- No que diz respeito ao fetiche, ocorre-me que ele está presente independentemente de o homem ser inseguro. Parece haver algo de gratuito no fetiche. É como um capricho. Creio que o fetiche, diferentemente dos aspectos psico-evolutivo e cultural, não tem necessariamente orientação de gênero. Mulheres podem ter o fetiche de ir para a cama com homens virgens, por exemplo. Iniciar alguém no sexo excita algumas pessoas. Talvez — repito, talvez — esteja no fetiche da virgindade um primeiro passo para a pedofilia, como se esta fosse uma espécie de patologização do fetiche até o nível criminal.

5- Ainda sobre o fetiche, penso que os demais fatores o potencializam. Um possível componente psico-evolutivo e a cultura machista, fundados em grande parte na insegurança masculina, poderiam contribuir para que o fetiche se desenvolvesse. Mas insisto na idéia, como afirmei acima, de que o fetiche transcende os gêneros. Não é exclusivo dos homens.

Fetiche

 

Arrisco-me a dizer também que os meios de comunicação de massa estimulam o fetiche relativo à virgindade, às vezes de maneira direta, às vezes indireta, quando supervalorizam a juventude, a beleza, o consumo. A publicidade usa e abusa de apelos à aquisição de objetos novos (o carro novo, a casa nova, o celular mais recente etc.), associando-os a poder, status, superioridade. Tudo fica obsoleto rápido demais. Há mesmo a chamada “obsolescência programada”, que consistiria em lançar um novo produto no mercado já prevendo sua superação por um mais moderno e supostamente superior, a alimentar, assim, um ciclo ininterrupto de consumo. Aqui, lembro-me dos muitos relatos – reais e ficcionais – de virgens “descartadas” após terem se entregado a um homem que as iludiu apenas para realizar uma fantasia.

Carro

Como não sou especialista nesse tema — tampouco tenho diploma de psicólogo, psicanalista, antropólogo, sociólogo — limitei-me à especulação. Não tive a pretensão de encontrar respostas definitivas. Minha formação em Filosofia estimula isto: observar, refletir e elaborar argumentos para uma possível discussão. A mim pouco importa se a jovem de Santa Catarina leiloou sua virgindade por esse ou aquele motivo. Tal qual Schwartsman e Calligaris, o que me excitou foi tentar entender o que pode estar em torno disso.

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