O sucesso é inegável. “Avenida Brasil” figura até em discursos de autoridades e artigos de intelectuais. Acompanho a trama, especialmente agora na reta final. Gosto de ver o embate entre Rita/Nina (Débora Falabella) e Carminha (Adriana Esteves) e as confusões dos moradores do fictício bairro do Divino. Só que não deixo, claro, de observar os absurdos da novela. Aliás, acho que, sem eles, a história não se sustentaria. “Avenida Brasil” se constrói em cima do inverossímil. Muito pouco, na estrutura da trama, é realmente possível.
Para começar, a espinha dorsal da novela — a vingança de Rita/Nina contra Carminha — pouco tem de razoável. Se a jovem quisesse apenas se vingar de sua malfeitora, bastaria, com o dinheiro que tinha, ter contratado um investigador profissional. Ele se encarregaria de reunir, em relativamente pouco tempo, todas as provas de que ela precisava para incriminar Carminha e Max (Marcello Novaes). Não precisaria ter se submetido a constrangimentos na casa da megera.
Alguém pode argumentar que Rita queria afastar Carminha de Tufão (Murilo Benício) sem gerar maiores traumas (como a própria personagem vive afirmando na novela). Bobagem! Especialmente após reencontrar o amor de sua vida, Jorginho (Cauã Reymond), Rita poderia ter utilizado os serviços de um detetive e, assim, ter unido o útil ao agradável: o romance e a vingança. Teria o apoio do namorado para fazer isso da melhor forma possível. Só que, assim, a trama não existiria, não haveria novela. Portanto, o autor lançou mão, desavergonhadamente, do improvável, do inverossímil, para dar início a sua história.
No desenrolar do roteiro, mais absurdos. Alguns exemplos:
1- Uma vez dentro da casa da família Tufão, Rita/Nina teve numerosas oportunidades de fotografar e gravar encontros e diálogos entre Carminha e Max. Não soube aproveitá-las. Não tentou nem sequer instalar aparelho de escuta nos locais onde a dupla de vilões mais se reunia.
2- Mulherengo, ultra-sexualizado, inescrupuloso, Max nunca conseguiu forçar Rita/Nina a pelo menos dar um beijo nele, mesmo estando com ela em lugares distantes, onde ninguém poderia flagrá-los.
3- Apesar das desconfianças de Jorginho, sob o risco mesmo de perdê-lo, Rita jamais gravou conversa sua com Max com a qual pudesse provar sua inocência ao namorado e incriminar Max (foto).
4- Rita desperdiçou dinheiro. Com muito menos, teria comprado os interesseiros que comprou, como Nilo (José de Abreu) e Max. Não precisava ter gastado tanto.
5- Depois de finalmente reunir provas contra Carminha e Max — fotos do casal em cenas tórridas de sexo –, Rita revelou-as e entregou cópias impressas delas para três pessoas de sua confiança. Inteligente e esperta como parece ser, Rita foi incapaz de salvar as fotos em um e-mail ou em uma rede social ou mesmo em nuvem. A própria vilã desconfiaria disso e jamais tentaria recuperar cópias impressas das fotos. Mas o fez, e Rita não pensou em blefar e dizer que tinha os arquivos originais salvos em um e-mail.
Todo o mundo, claro, faz de conta que “Avenida Brasil” retrata a realidade. Entra na brincadeira. Em todo caso, alguns absurdos chegam a ser um desrespeito à inteligência do telespectador. Nos núcleos de humor, o improvável até cai bem. As peripécias de Cadinho (Alexandre Borges) e suas três mulheres são o melhor exemplo. O escracho serve como desculpa. Mas, no núcleo dramático da novela, não se justificam tantas improvisações grosseiras.
É por essas e outras que telenovelas, por melhores que sejam, jamais alcançam o status de obras de arte.