“Intelectuais” por negação.

É chique ser intelectual? Para muita gente, é. O sentido de intelectual, aqui, é de pessoa com elevado grau de instrução e conhecimento. Pois bem, saber confere status. Pode até impressionar. Talvez por isso, não falte quem se esforce para ser ou ao menos parecer intelectual. Nesse esforço, lança mão de artifícios, como a negação.

Intelecto

Acho que vou ser mais claro se eu der exemplos. Há pessoas que adoram dizer que não gostam de telenovela. Ao negar esse tipo de programa de TV, elas acham que estão afirmando e reforçando o próprio bom gosto. Há outras tantas que se sentem bem ao revelar que não gostam de futebol. Ao negar esse esporte, julgam estar afirmando e reforçando o interesse por assuntos supostamente mais nobres. Por aí vai.

Será que gente assim é mesmo intelectual? Será que basta negar isso ou aquilo para se afirmar isso ou aquilo? Por que um intelectual não poderia se divertir com um capítulo de novela ou uma partida de futebol? Em artigo de muitos anos atrás, Umberto Eco, o célebre intelectual italiano, declarou ser possível ouvir comentários de extrema vanguarda em uma discoteca e lembrou outro intelectual, o francês Edgar Morin, para quem é impossível analisar o futebol sem se divertir durante o jogo.

Umberto Eco, intelectual italiano.

Umberto Eco, intelectual italiano.

É claro que podem coexistir diversos tipos de intelectual: o que só aprecia a cultura erudita, o que aprecia tanto a erudita quanto a popular, aquele que prefere a popular à erudita e até aquele que se interessa mais pela chamada cultura de massa do que por todas as outras. Por que um doutor em Lingüística não poderia se divertir com uma telenovela? Não seria ele capaz de interromper, por alguns minutos, suas reflexões profundas e simplesmente se distrair com uma trama sob medida para passar o tempo?

O que os falsos intelectuais ou os intelectuais por negação têm dificuldade para entender é que uma pessoa não é estúpida só porque acompanha uma novela ou um reality show. De forma análoga, uma pessoa não é intelectualmente superior só porque não vê programas da TV aberta. Evidentemente, há chance maior de uma pessoa ser estúpida se ela assistir exclusivamente a programas de auditório. Mas se vir de tudo um pouco, provavelmente ela provará que é eclética, aberta, “antenada”.

Seria muito fácil ser intelectual se para isso bastasse desligar a televisão ou parar de ler a Veja (ou folhear a Caras). Difícil é ler Shakespeare no original e não espalhar isso para todo o mundo e ainda ser capaz de identificar os rastros do erudito nas obras populares e de massa. Curiosamente, o esnobe costuma estar mais preocupado com o verniz do que com a qualidade da madeira.

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2 respostas para “Intelectuais” por negação.

  1. Diego disse:

    Muito bom! Não sei se esse fenômeno é maior em Bsb, mas que aqui é intenso, isso é.

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