Volta e meia, alguém me diz algo mais ou menos assim: “É importante, para mim, ter uma pessoa. Não quero envelhecer só”. Quando estou com paciência para discutir, faço logo a seguinte ponderação: “Mesmo que você tenha uma pessoa, qual é a garantia de que ela vai envelhecer com você? A relação pode acabar antes. Além disso, essa pessoa também pode morrer, e aí você corre o risco de envelhecer só do mesmo jeito.”
Normalmente, a resposta que ouço reúne concordância e esperança: “Ainda assim, prefiro tentar. Se eu tiver alguém, as chances diminuem de eu envelhecer só.” Alguns lembram a possibilidade de filhos e netos, embora não escondam que a preocupação mesmo é com a velhice ao lado de um companheiro ou companheira. Faz sentido. Pode ser. Mas que não há garantia nisso, não há mesmo.
Sem querer destruir as esperanças de ninguém, detenho-me aqui na análise desse tipo de raciocínio, pois, por trás dele, pode haver toda uma visão de mundo, uma filosofia de vida que me interessa entender.
Parto da primeira afirmação: “É importante ter uma pessoa”. Compreendo que nem todo o mundo afirme isso de maneira literal. A idéia não é “ter”, no sentido de posse, um companheiro ou companheira. Há, sim, casos em que esse desejo é mesmo expresso ao pé da letra, mas prefiro acreditar que a maioria diz isso em sentido figurado.
Então, “ter uma pessoa” significa, na verdade, ter um relacionamento sério, um compromisso, que pode ou não se traduzir em casamento com papel passado, terno, véu e grinalda. Observo nos meus interlocutores desejosos de se unir a alguém o interesse sincero em uma relação sólida, segura, duradoura. Acham isso importante, afinal, não querem envelhecer sós.
Eis a parte mais curiosa desse argumento. Por um lado, ele expressa romantismo. Muita gente acha importante ter um companheiro ou companheira porque vê nisso bem-estar, felicidade a dois, até o fim da vida. Por outro, expressa pragmatismo. Uma pessoa busca companhia porque teme uma velhice solitária. Há, então, um interesse por trás do simples desejo de amar e ser amado.
Para atingir o objetivo de “ter uma companhia na velhice”, talvez seja preciso enfrentar dificuldades de diversos tipos e, nesse processo, sacrificar muito do romantismo inicial. De qualquer maneira, talvez o aspecto romântico pese mais no fim das contas, uma vez que familiares e amigos também podem ser companhias na velhice. Por que preferir a presença de um marido ou uma mulher?
Há, por trás desse argumento, outra pressuposição: a de que a velhice é um momento necessariamente difícil, de debilidade física e carência afetiva, tão difícil que seria insuportável sozinho. A juventude – geralmente mais longa – poderia suportar melhor a solidão. Talvez. Mas não necessariamente. Aliás, no argumento “É importante ter uma pessoa para não envelhecer só”, há várias pressuposições contingentes. É uma aposta no futuro, e o futuro, como se sabe, sempre pode surpreender. Vale repetir: não há garantias.
Portanto, quem procura casamento (formal ou informal), por temer a solidão na velhice, deveria se lembrar de que tal projeto de vida pode fracassar tanto quanto qualquer outro. Mais: eleger o compromisso com alguém como a melhor ou única maneira de envelhecer feliz representa desprezo ou ignorância em relação a outras várias opções de bem-estar na chamada terceira idade, como o prolongamento da carreira, a descoberta de novos desafios, o desenvolvimento de um talento reprimido, a adoção de um hobby ou uma confortável aposentadoria na praia, no campo, nas montanhas (para quem pode, claro).
Casar-se significa renunciar também a uma série de experiências anteriores à velhice – aquelas somente possíveis a pessoas solteiras –, pois o casamento geralmente ocorre ainda na juventude ou na fase adulta. Ou pior: casar-se pode envolver dose cavalar de sacrifício, como bem expressa o título daquela peça teatral “Não sou feliz, mas tenho marido”.
Por fim, a idéia de “ter alguém para não envelhecer só” reflete a formação tradicional da maioria das pessoas, que prevê mais ou menos o seguinte roteiro: concluir os estudos, encontrar um emprego, casar-se e constituir família. Há pouco espaço para alternativas. Fugir disso por livre e espontânea vontade ainda gera estranhamento e, não raramente, piedade. A maioria ainda pensa como diz a canção “Wave”, de Tom Jobim: “É impossível ser feliz sozinho.” Que pena! Mal sabe que é, sim!
Encontrar em si mesmo uma boa companhia é um desafio bastante compensador para quem ousa tentar. Reforçar laços de amizade, inclusive dentro da própria família, pode ser um dos benefícios para quem dispõe de tempo, ou seja, não tem mulher ou marido e filhos para cuidar. Sem contar que namoros são sempre possíveis e desejáveis, mesmo que não resultem na tradicional divisão de teto.
Enfim, envelhecer sozinho é um risco que todos correm – casados ou solteiros. Construir relações sinceras e duradouras – seja com quem for – é um excelente antídoto contra a solidão. E aprender a ser (feliz) sozinho é, ao fim e ao cabo, a melhor das opções. Até porque quem gosta de si mesmo, da própria companhia, é uma pessoa de bem com a vida e, sendo assim, só pode atrair mais gente feliz para perto de si.