Ando sem paciência para essas pessoas que viajam demais. Estão sempre de malas prontas para algum lugar. Banalizam o turismo, vulgarizam o ato de viajar, conhecer e realmente saborear tranqüilamente lugares e culturas diversas.
Algumas dessas pessoas pioram tudo com um patético deslumbramento. São esnobes. Fazem do turismo um reles símbolo de status. Esquecem-se até dos limites da própria memória. Jamais se lembrarão do que leram avidamente sob a moldura daquele quadro exposto no Louvre, mas com certeza se recordarão de quantas horas passaram dentro de museus, só para ter o orgulho de parecer intelectualmente refinadas. Ah, essa gente que investe tudo no verniz e se esquece da qualidade da madeira!
Admito que estou correndo o risco de generalizar. Não é meu intento. Conheço pessoas que viajam muito simplesmente porque precisam ou têm oportunidades imperdíveis – ou ambos. Tenho um amigo que ia a Nova York a trabalho quase todos os meses. Nunca me pareceu que ele se sentisse especial ou superior por ter essa chance.
Uma de minhas irmãs tem no turismo uma espécie de hobby e, como encontra muitas facilidades para viajar a baixo custo, aproveita-as bem. É outra que, embora relate seus passeios, jamais conta vantagem.
Refiro-me àquele tipo de turista facilmente identificável em uma reunião entre colegas ou amigos. Dá sempre um jeito de revelar onde esteve, o que viu, quanto gastou. Adora citar ruas, becos, restaurantes, bares, lojas pouco conhecidas, e fala de tudo isso com a familiaridade de um habitué, quase como um morador do local. Quer parecer rico e distinto. Esforça-se mesmo. Não raramente, convence muitos. Acho graça.
O esnobe, no fundo, é um ingênuo. Não lhe ocorre que seus ouvintes, nem sempre tão atentos quanto parecem, podem ter mais dinheiro e milhas de vôo, falar mais idiomas, conhecer mais pessoas do que ele e, principalmente, notar que ele está se exibindo e fazendo um papel ridículo.
O pior em todo esse encantamento pueril – pior ainda que se fazer de rico – é a falsa noção de refinamento intelectual. O que é ser “culto” para essa gente? O que é ser sofisticado? Consta que Kant nunca deixou a Prússia e, no entanto, entrou para a história da Filosofia. Está bem. Fui muito longe. Posso apanhar um exemplo mais próximo no tempo e no espaço. Cora Coralina, que eu saiba, nunca pisou fora do Brasil. Foi uma exímia doceira na pacata Cidade de Goiás, a 200 quilômetros da capital do Estado, Goiânia. Figura hoje entre as poetisas mais conhecidas do país.

Cora Coralina (1889-1985).
Claro. Alguém sempre pode alegar que Kant teria sido melhor filósofo se tivesse percorrido a Europa e conhecido a América ou que Cora Coralina teria escrito mais e melhores poemas ou mesmo obtido mais respeito se tivesse cruzado o Atlântico umas tantas vezes. Mas quem pode garantir isso? Ninguém. Kant talvez tivesse descoberto o Sol tropical e, entusiasmado, escrito má literatura em vez de filosofia. Cora poderia ter-se tornado uma intelectual pernóstica, como tantas por aí. Vá saber!
O que os turistas vulgares parecem ignorar é o fato de que o turismo, por mais “cultural” que seja, é possivelmente a maneira mais superficial de conhecer uma nova cultura. Sem desmerecer o turismo em geral, que também aprecio, convém reconhecer que um tour pela Europa, por exemplo, não converte ninguém em autoridade em História, Geografia, Economia, Arte, Filosofia européia.
O problema está na ingênua presunção de que, por viajar muito, alguém necessariamente sabe mais. Não mesmo! Até porque uma viagem começa antes de se fazerem as malas e de se providenciar um passaporte.
Para ser um pouquinho radical, uma viagem realmente começa no berço. A formação básica de alguém faz toda a diferença no aproveitamento de uma viagem. Os “turistazinhos” pretensiosos, claro, nem se dão conta disso! Passam diante de uma determinada construção e não têm a menor ideia do período arquitetônico a que ela pertence, tampouco distinguem uma pintura impressionista de uma expressionista e, ainda que o façam, dificilmente sustentariam um diálogo sobre arquitetura ou pintura, para ficar apenas nesses exemplos.
Tudo bem. A maioria não sabe nada disso. Certo. Que esses viajantes não se exibam por aí, então! Que ajam com simplicidade! Mas esses turistas banais… Pobrezinhos! Acham que se pode pegar berço emprestado…

Ópera Nacional de Paris, fundada em 1669.
Reconheço que posso estar exagerando e sendo até um pouco cruel. Na verdade, faço um desabafo depois de ter tido relativa paciência com essa gente exibida, que eleva o tom de voz para relatar seu mais recente destino.
Cruel, aliás, é quem faz outros ingênuos acreditarem que são piores porque não viajam tanto ou – argh! – propaga a noção estapafúrdia de que refinamento intelectual tem relação direta com o número de vezes que alguém subiu a Torre Eiffel ou visitou o MoMa.
Ora, por favor! Nem todo o mundo crê em aparências! Se quer realmente conhecer algo, saber algo, que sente o traseiro numa cadeira e leia centenas de livros, assista a mais concertos, peças e filmes (especialmente documentários), faça cursos, enfim estude e aprenda de verdade.
Parece-me milhões de vezes mais interessante um acadêmico honesto e bem preparado ou um cientista sério preso a seu laboratório do que uma ridícula emulação de Zeca Camargo! Para ser ainda mais franco: prefiro ouvir o relato de um homem do campo que tenha entrado no mar pela primeira vez a testemunhar o delírio de grandeza de um projeto de show man.
As narrativas mais interessantes costumam ter como autor um deslumbrado autêntico, um naïf, no melhor sentido do termo, aquele que se deslumbra com o que viu e viveu e não com o ato de contar depois. Gosto de ouvir quem, de fato, se encantou com novas descobertas, porque de alguma forma elas lhe trouxeram uma visão de mundo inesperada.
O turista banal parece mais interessado em acumular informação. Faz disso quase um dever. Desconfio até de que não se divirta tanto assim em suas viagens. Seus olhos não se enchem d’água porque realizaram o sonho de ver de perto o Cristo Redentor ou de percorrer de barco o rio Sena pela primeira vez. Imagine! Isso, para ele, não é chique. É preciso fingir ver tudo com naturalidade, uma naturalidade que o turista vulgar na verdade não tem. Mais artificial do que o turista banal só mesmo seu sorriso nas muitas fotos que ele faz questão de divulgar ao maior número possível de pessoas, inclusive ou principalmente nas redes sociais.
Por essas e outras, evito essas bizarras criaturas. Tenho dado mais atenção a quem está aos poucos abrindo os olhos para a imensidão do mundo e sentindo cada instante como se fosse um presente da vida. Essas pessoas parecem viajar para dentro de si mesmas, diferentemente daqueles que viajam para fora, com os olhos voltados para uma platéia imaginária. Para encerrar este desabafo, cito versos de um poeta desconhecido: “Que viagem ficar aqui parado!”
É… No frigir dos ovos, a imaginação de um homem ou de uma mulher sensível basta para ir a Júpiter. Sem malas. Sem passaportes. Sem câmeras fotográficas. Sem esnobações.