Sexo ainda choca. Mesmo com séculos e séculos de prática, sexo ainda mexe fundo com a moral das pessoas. O filme “Shortbus” me deu essa impressão mais uma vez.
A sala de projeção estava lotada. Em minutos de exibição, alguns espectadores levantaram-se e saíram. Os primeiros foram um casal adulto e uma senhora. Depois outros, mais outros, a maioria gente madura (ao menos cronologicamente). Na tela, masturbação, diferentes posições sexuais, voyeurismo, sadomasoquismo, em suma: sexo explícito. Aquilo, aparentemente, incomodou alguns. Creio que tocou profundamente todos.
O filme de John Cameron Mitchell consegue a proeza de mostrar sexo explícito sem ser pornográfico. Não há sexo pelo sexo no roteiro. Não há sexo gratuito. Sexo, ou melhor, a sexualidade é o tema, é a questão ali. O diretor escolheu tratar disso sem pudor, sem medo, sem hipocrisia.
Simbolicamente, Mitchell abriu as portas do inconsciente coletivo como quem abre as portas do inferno e libera todos os demônios. Isso certamente incomoda muita gente. Há quem finja ou deseje viver como se os seres humanos nascessem do repolho ou viessem ao mundo no bico de uma cegonha. Fecham os olhos (ou estão cegos) para a libido circundante e suas numerosas (e potenciais) manifestações.
“Shortbus” explora as fronteiras entre corpo e mente, mistura-as, confunde-as. Faz um coquetel de falas e falos, discursos e intercursos, esperanças e espermas, bocas e xoxotas.
No fictício clube novaiorquino Shortbus, que dá nome ao filme, os freqüentadores ao mesmo tempo tiram e vestem máscaras. Quem vive uma mentira? Quem encara a verdade sobre si mesmo? [Não por acaso, numa seqüência, personagens brincam de jogo da verdade] Quem se despe e quem se veste?
Vida e morte, gozo e frustração, “Shortbus” mistura isso também. Não deixa pedra sobre pedra, preto no branco. Derruba tótens e tabus. E assusta, desafia quem tem pavor de espelhos. Admito que roí as unhas.