Ouço algumas pessoas dizerem que Brasília tem poucas opções de arte e lazer. Curiosamente, não costumo encontrar essas mesmas pessoas em muitos dos eventos de arte e lazer da cidade. Ainda não esbarrei em conhecidos, por exemplo, na Cultura Mostra de Cinema, que teve início no último dia 6, primeira sexta-feira de 2012.
Trata-se de louvável iniciativa da Livraria Cultura do Iguatemi, que exibe, de sexta a domingo, em seu teatro Eva Herz, dez filmes que fizeram parte de edições recentes da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo. A entrada é gratuita, e quem quiser levar o DVD para casa pode comprá-lo na própria loja.

O primeiro filme dessa seleção da Cultura foi “Os EUA X John Lennon”, que vi em São Paulo há bastante tempo. Os demais eu não tive a oportunidade de ver, então não quero perder a chance agora. No último sábado, vi “Tulpan”, do russo Sergei Dvortsevoy. No domingo, “Hanami – Cerejeiras em Flor”, da alemã Doris Dorrie. Essas e outras películas que tenho visto têm me dado a impressão de que o cinema chamado de autor tem preferido manter os pés bem fincados na realidade.
“Os EUA X John Lennon” é documentário. O realismo-naturalismo em documentários tende a ser default. Já “Tulpan” leva essa proposta às últimas consequências. A história se passa nas estepes do Cazaquistão, e o diretor não faz concessões: em 1h40 de filme, exibe um recorte preciso e naturalista da vida de Asa, jovem cazaque disposto a conquistar uma moça com quem possa se casar e tornar-se pastor de seu próprio rebanho de ovelhas. A única disponível naquele deserto inóspito é Tulpan, que o rechaça a ponto de nunca lhe mostrar o rosto (o espectador tampouco o vê). A narrativa arrasta-se, quase como em tempo real, e o retrato que se vai formando é quase documental. Mas da poeira, do frio, da aridez do próprio roteiro, extrai-se certa poesia, presente na delicadeza e na simplicidade daquelas vidas secas e, ao mesmo tempo, cheias de esperança.

“Hanami – Cerejeiras em Flor”, por sua vez, encanta com outro tipo de realismo-naturalismo, mais psicológico. Tem uma pitada de Bergman, o Bergman de “Morangos Silvestres”, talvez. Não expõe a aridez do ambiente físico, como “Tulpan”, mas das relações humanas, especialmente entre pais e filhos, quando os primeiros envelhecem, e os segundos, tão envolvidos com suas próprias vidas, já não sentem mais satisfação em estar com eles. Vem a morte, e descobre-se que ficou tarde demais para reconstruir laços. Não por acaso, a narrativa desenrola-se na ordenada Alemanha e no metódico Japão, onde se evidencia melhor o contraste entre os mundos exterior e interior dos personagens. Se tudo em volta deles parece em ordem, civilizadamente organizado, no íntimo todos amargam o caos e não sabem o que fazer com ele.
Vem aí “Shortbus”, de John Cameron Mitchel. Ouvi dizer que exibe cenas fortíssimas de sexo explícito. Mais naturalismo. Mais vida nua e crua. Mais “food for thought“. Na sexta, lá estarei. Espero encontrar conhecidos, além de quem me fizer companhia.