Esses moços. Pobres moços.

Jovens deste Brasil varonil e de outros lugares do globo têm sido responsabilizados pela segunda onda da pandemia de COVID-19. Não me surpreende. Um rápido passeio de carro pela porta de bares da cidade onde moro basta para convencer qualquer pessoa de que a juventude em geral está se lixando para a disseminação do novo coronavírus.

Há também as festas clandestinas e as casas noturnas que abrem suas portas às escondidas. Estão todas cheias — de vastíssima maioria de jovens. Nesses lugares, ninguém quer saber de máscara, de álcool em gel e muito menos de distanciamento social. Afinal, está todo mundo ali para interagir. Dali, muita gente sai para casa ou para o motel, onde geralmente faz sexo com uma pessoa que acabou de conhecer ou que, no mínimo, também está pouco se importando com a pandemia.

Quando o dia amanhece, essas e esses jovens animados normalmente retornam para casa, ou melhor, para a casa da mãe e do pai, que não raramente pertencem ao grupo de risco. Mesmo que tomem banho e troquem de roupa, essas moças e rapazes podem ter contraído o “coronga” e, assintomáticos, o transmitirem aos demais membros da família. Até porque, em casa, ninguém usa máscara. Essa é a verdade.

Foto por Vishnu R Nair em Pexels.com

Compreendo que as pessoas, sobretudo mais jovens, estejam cansadas de ficar em casa. Muita gente não aguenta mais ver TV, ler, participar de lives, webinars e cursos a distância. A carência de diversão e, claro, de sexo está nas alturas. Chega um momento -mais cedo para uns que para outros – em que essas pessoas chutam o balde. Já ouvi tantos “dane-se”, “foda-se”, “e daí?”! A rebeldia está a mil, e não adianta ponderar. Não há espaço para a razão. O impulso assumiu o controle.

Diante desse quadro, venho refletindo sobre a questão das privações. Fico pensando no que as bisavós e bisavôs de muita gente enfrentaram durante a Segunda Guerra Mundial. O confinamento era radical, e não havia, naquela época, atenuantes como os confortáveis serviços de streaming para vídeos, séries, filmes, música; de entrega de comida em domicílio via aplicativo; de jogos online, enfim todos os benefícios que a tecnologia oferece hoje em dia. Mesmo os segmentos economicamente vulneráveis da população têm mais conforto, atualmente, que a classe média alta das cidades bombardeadas na Segunda Grande Guerra.

Peço atenção a estes depoimentos de sobreviventes da segunda conflagração mundial:

“Esta manhã, pela primeira vez, vi um avião abatido. Ele caiu lentamente das nuvens, embicado, como um alvo que tivesse sido baleado lá no alto. Uma euforia incrível entre as pessoas que assistiam a ele, intrigadas com a pergunta: ‘Tem certeza de que é alemão?’. Tão enigmáticas são as instruções dadas, e tantos os tipos de avião, que ninguém sequer sabe quais são os aviões alemães e quais são os nossos. Meu único palpite é que, se um bombardeiro é visto sobre Londres, deve ser alemão, enquanto um avião de combate é mais provável que seja nosso.” (George Orwell, escritor, autor de 1984 e Revolução dos Bichos, residente de Londres, 15 de setembro de 1940)

Foto por Pixabay em Pexels.com

Já pensou ver um avião cair do céu após um bombardeio? Nada mal, não é mesmo?

“Vimos um grupo de soldados vindo dos quartéis correndo a toda em nossa direção e, logo em seguida, uma fileira de bombas caiu atrás deles, derrubando-os todos no chão. Ficamos imersos em uma nuvem de poeira e tivemos que correr que nem loucos para fechar todas as janelas. No meio tempo, um grupo de soldados havia entrado em nossa garagem para se esconder. Eles foram totalmente pegos de surpresa, e a maioria deles não tinha sequer uma arma ou qualquer coisa parecida.” (“Ginger,” moradora de Pearl Harbor, 7 de dezembro de 1941)

Soldados, bombas, nuvem de poeira. Não havia máscaras coloridas para proteger as pessoas da fumaça e do pó.

Só mais um depoimento:

Estamos morrendo que nem moscas aqui por causa da fome, mas ontem Stalin deu mais um jantar em Moscou, em homenagem a (embaixador britânico, Anthony) Eden. Isso é ultrajante. Eles enchem a barriga lá, enquanto nós não temos sequer um pedaço de pão para comer. Eles brincam de anfitriões, fazendo recepções pomposas, enquanto nós vivemos como homens das cavernas, como toupeiras cegas.” (Lena Mukhina, moradora de Leningrado, atual São Petersburgo, 3 de janeiro de 1942)

Quem tiver interesse em ler mais testemunhos como esses, pode encontrá-los na reportagem “Uma era de extremos: 10 relatos chocantes de quem encarou a Segunda Guerra Mundial“, publicada pelo UOL.

Foto por cottonbro em Pexels.com

A brava gente jovem brasileira destes tempos é Nutella. Faltam heróis e heroínas de raiz. Ninguém suporta nada. A mínima privação é causa de chilique. Fora os miseráveis de sempre, que com alguma sorte (sim, ter trabalho virou sorte) acabam atuando como garçons e garçonetes da turma sem máscara, ninguém hoje sabe o que é fome, sede, dor sem remédio, abstinência sexual. Privação é palavra desconhecida no dicionário da jeunesse dorée deste imaturo século 21.

O que hoje se chama sacrifício seria “café pequeno” para as bisavós e bisavôs de quem, na atualidade, só ouve falar de guerra na televisão. Na verdade, muita gente não chegou a fazer sacrifícios ao longo destes meses de pandemia. Simplesmente abriu mão da própria segurança e da de outras pessoas para aproveitar a vida. Justificativa? Saúde mental. Às vezes, nem justificativa há, mas tão-somente a ousadia de quem brinca de roleta russa. Enquanto isso, a pandemia segue tirando vidas, lotando hospitais, derrubando a economia. Haja vacina!

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Quo vadis, COVID?

Sobrevivi à COVID-19. Em um mundo que tem hoje, segundo a Organização Mundial da Saúde, 33.842.281 de casos confirmados e 1.010.634 vítimas fatais da doença, pertenço à maioria que se recupera do ataque do novo coronavírus. Vivi para contar, e é isso o que pretendo fazer a seguir.

Para quem não sabe, a COVID-19 é uma doença traiçoeira. Ela não tem comportamento fixo, tampouco estável. Varia de pessoa para pessoa e costuma promover uma súbita reviravolta no quadro clínico, geralmente na segunda semana pós-infecção. Comigo foi assim. Lá pelo décimo dia, quando já estava seguro de que teria apenas uma versão moderada da doença, ela atacou meus pulmões. Tive uma crise de falta de ar no meio da noite. A sensação de poder morrer sufocado apavora. A gente respira que nem sente, mas, quando falta ar, é como se cada inspiração fosse uma árdua conquista. Essa foi certamente uma das experiências mais agoniantes por que já passei. Felizmente, consegui superá-la. De qualquer forma, no dia seguinte, por orientação médica, fiz uma tomografia que demonstrou: a COVID-19 tinha afetado 15% de meus pulmões. A partir dos 25%, o quadro é realmente grave.

Maranhão registra 631 novos casos da Covid-19 e 10 mortes, uma delas nas  últimas 24h | Maranhão | G1

Claro que nem todo mundo passa por isso, mas o risco existe. Convém estar preparado. Porque segui rigorosamente as orientações médicas, meu quadro melhorou em alguns dias. Fiquei isolado em casa. Não saí para nada. Aprendi a fazer supermercado pela internet, a cozinhar, a vencer a preguiça para lavar a louça e trocar a roupa de cama. Claro que tomei remédios. O mais comum deles, para casos como o meu, é a Azitromicina. Nenhum dos médicos com quem estive receitou a polêmica Hidroxicloroquina.

Uma médica acompanhou meu caso desde o primeiro dia. Depois, o médico que me pediu a tomografia dos pulmões receitou três medicamentos. Finalmente, um pneumologista aumentou a dose dos mesmos remédios e prescreveu mais dois. Essa junta médica também estava de acordo sobre eu ingerir muito líquido, pelo menos 3 litros por dia. Fiz isso e também comi direito. Só tive falta de apetite nos primeiros dias da doença. No restante do período de licença médica, estava até me alimentando bem.

Senti-me febril nos quatro dias iniciais. A dor de cabeça durou mais tempo. A fadiga, sim, me derrubou. Fiquei prostrado por uma semana. Não tinha força para nada. Curiosamente, os sintomas mais comuns e exóticos da COVID-19 não se manifestaram em mim em nenhum momento: perda do paladar e do olfato. Eu tampouco tive diarreia. Como já disse, essa doença varia de pessoa para pessoa.

Escola Virtual Gov

Acertei em cheio ao comprar um novo umidificador de ar. No clima seco da cidade onde moro, ele fez e faz toda a diferença. Eis um item obrigatório para quem tem COVID-19. Alguns médicos recomendam ter em casa também um oxímetro. Ele verifica quanto de oxigênio o sangue está transportando. Não é barato, mas é algo que se pode pedir emprestado. Não comprei nem peguei emprestado porque, nas consultas, aferiam-se meus sinais vitais, e eles estavam sempre dentro dos padrões. De qualquer forma, quem tiver COVID-19 e puder ter um oxímetro em casa deve tê-lo.

Quando a pior fase passou, consegui ler bastante. A leitura me ajudou a esquecer a doença. O mesmo vale dizer sobre filmes e séries na TV. A pessoa precisa relaxar. A ansiedade dificulta a respiração. A COVID-19 tem certa atração pelo aparelho respiratório, então, muitas vezes, ela o assedia sem dó nem piedade. Nos momentos mais difíceis, eu costumava comparar a ação do novo coronavírus a um maçarico. Isto mesmo: a sensação era de algo estar se queimando dentro de mim quando eu tentava uma respiração profunda. Até hoje, sinto que não estou com fôlego suficiente para fazer tudo o que eu fazia antes da doença. A médica me disse que isso é normal. Durante um mês, mais ou menos, continuarei com a respiração um pouco comprometida.

Outro incômodo bastante comum em quem tem COVID-19 é a tosse. Ela também varia de pessoa para pessoa. Há pacientes que têm crise de tosse. Tive algumas. Nenhuma insuportável. Mas há quem tussa até sentir dor no peito. Mesmo curado há mais de uma semana, ainda tusso um pouco. Isso também é normal.

Coronavírus: muito além dos pulmões | Veja Saúde

Sabe o que é pior? A incerteza. Essa é uma enfermidade pouco conhecida. Volta e meia, aparece uma novidade sobre ela, geralmente ruim. A princípio, acreditava-se que, uma vez curada da COVID-19, a pessoa estava imune à doença. Agora já se sabe que há a possibilidade de reinfecção. São poucos os casos no mundo, mas o risco existe. Ponto.

No alvorecer das descobertas sobre o novo coronavírus, acreditava-se também que as crianças corriam pouco risco de infecção. Hoje se sabe que a COVID-19 não as poupa. Estima-se em duas semanas o tempo em que a doença domina a pessoa, mas observei que esse período varia em cada paciente. Precisei de 20 dias para me recuperar. Uma prima, de apenas uma semana. Como saber?

A própria vacina, quando estiver disponível, não trará garantias. Se o vírus passa por mutações, pode ser que ela só resolva parte do problema, isto é, imunize as pessoas apenas contra uma variedade do “coronga”. Repito a pergunta: como saber?

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Os negacionistas gostam de usar as incertezas relacionadas à COVID-19 como desculpa para descumprirem o protocolo de prevenção à doença. Então, subestimam a importância do uso de máscaras, da higienização das mãos e do distanciamento social. O argumento fajuto é mais ou menos o seguinte: já que ninguém tem certeza de nada sobre a COVID-19, para que perder tempo e dinheiro tentando enfrentá-la? Esse raciocínio infantiloide e soberbo deve estar contribuindo bastante para que a pandemia siga tirando vidas. O justo será que esses negacionistas fiquem no fim da fila para tomar a vacina quando ela estiver disponível. Não são imbatíveis?

Quem passou maus bocados com a COVID-19, como eu, sabe que não se pode subestimar essa doença. É verdade que a maioria se recupera, mas quem quer apostar nisso? Quem quer se arriscar nessa espécie de roleta russa? Quo vadis*, COVID? Ninguém sabe. Posso testemunhar que a COVID-19 é uma das experiências mais desagradáveis que uma pessoa pode ter. Desprezar seu potencial de destruição é no mínimo irresponsável. Convém ter ao menos empatia diante do perigo. Sobrevivi à COVID-19 e torço para que todas as pessoas com essa enfermidade também a superem. Se é para engrossar as estatísticas, que seja as dos sobreviventes.

*Quo vadis, em latim, significa “aonde vai”.

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Ah, essas argentinas e argentinos cativantes!

Quem conhece Buenos Aires sabe o quanto essa cidade pode encantar. A capital argentina, a despeito de certa decadência, após décadas de agudas crises econômicas, preserva seu charme. Muito do passado glorioso resiste e se mescla às novidades do mundo atual. É o caso de numerosos cafés, bares, restaurantes, boutiques e espaços ou estações de trabalho coletivo, mais conhecidas mundo afora como coworkings. São em ambientes assim que as antigas e as novas gerações se cruzam na metrópole, e esse inusitado encontro ajuda a compor o retrato da gente portenha atual.

É justamente essa Buenos Aires contemporânea, com todas as suas atrações e contradições, o cenário da série “Millennials”, disponível na Netflix. Como o próprio título antecipa, ela tem como protagonistas seis jovens adultos, em início de carreira, divididos entre dúvidas, (falsas) certezas e muitas ilusões. Suas vidas se interligam quando passam a conviver em um coworking no que parece ser o charmoso bairro de Palermo. Daí para frente, nada mais será como antes. Não faltarão confusões, reviravoltas, paixões, atritos, descobertas, decepções, experiências as mais variadas, todas bem características de uma geração confusa ante o contraste dos avanços sociais e tecnológicos e os padrões de comportamento tradicionais.

Rodri & Alma; Benja & Ari; e Juanma & Flor: três jovens casais em busca de um rumo na vida.

“Millennials” reúne três casais a princípio: Ariana Beltrán (Laura Laprida) e Benjamín Céspedes (Nicolás Riera); Florencia Argañaraz (Noelia Marzol) e Juan Manuel Losada (Juan Manuel Guilera); e Alma Carrizo (Johanna Francella) e Rodrigo Ruiz (Matías Mayer). Ao longo das duas temporadas de 24 episódios cada uma, elas e eles terão experiências afetivo-sexuais dentro e fora do grupo. (Sim, vira uma zona!)

Tudo começa quando Benjamín (Benja), um típico bon vivant, decide dar um rumo na vida e engana Juan Manuel (Juanma) em um coworking. Benja, um cara-de-pau incorrigível, faz de conta que tem a mesma ideia de Juanma e, assim, para supostamente conciliar e somar interesses, propõe ao jovem desenvolvedor que ambos se tornem sócios no aplicativo de entrega de comida caseira em domicílio (uma ideia exclusiva de Juanma, claro). Pois bem, no primeiro “rolé” que fazem juntos, Benja aborda com extrema ousadia a namorada de Juanma, Florencia (Flor), e a beija na boca, apesar de no bar estarem sua namorada Ariana (Ari) e o próprio Juanma. Ninguém vê nada e, no dia seguinte, Benja e Flor completam o serviço numa tarde de sexo.

Isso faz de Benja o vilão da história? Longe disso! Não há maniqueísmo em “Millennials”. A verdade é que ali ninguém vale nada e, ao mesmo tempo, cada uma e cada um cativa os telespectadores justamente por serem gente “de carne e osso”, com defeitos e qualidades, capazes tanto de atrocidades quanto de atos de generosidade e bravura.

No coworking, eles parecem trabalhar muito, mas vão muito além das obrigações profissionais.

Combinando drama, romance e comédia, “Millennials” prende a atenção. Faz maratonar. Quem não quer saber no que vai dar a traição de Benja e Flor ou de Juanma e Alma? Como não ter curiosidade sobre o destino dos seis personagens, assim como o de seus parentes, amigos e desafetos? Se os três casais são envolventes, quem os rodeia não é menos. O pai de Benja, Octavio (Fabio Aste), surpreende ao longo da trama de maneira tocante. É personagem rico como poucos, psicologicamente, mas isso não aparece de cara. Surpreendente também é o jovem personagem Facundo Ventura (Santiago Talledo), apelidado Facu.

A primeira temporada de “Millennials” gerou críticas positivas e negativas na imprensa argentina. Uma delas concentrou-se na aparente “caretice” dos protagonistas: casais brancos, heterossexuais, em relações monogâmicas (pero no mucho), como se devesse haver hoje a obrigação de se fazer ficção baseada em diversidade, quase como se fosse “arte engajada”. A verdade é que esse é um juízo apressado. “Millennials” tem, sim, espaço para a diversidade, mas a leva à tela de maneira leve, espontânea, despretensiosa, sem a camisa-de-força de um politicamente correto moralizante. A (hetero) sexualidade dos personagens é posta à prova mais de uma vez, sem didatismo porém. Faz parte do jogo da vida. É um elemento indissociável da realidade de jovens metropolitanos de classe média em busca de lugar ao sol e sentido para viver.

Há passagens incoerentes, inverossímeis? Várias. Mas quem liga para isso quando os próprios personagens — em consonância com uma discreta metalinguagem — mencionam que parecem estar atuando em uma série de TV para adolescentes? Há mesmo uma sequência em que Benja recomenda a um amigo que assista a uma série chamada… Acertou! Millennials.

Tenho eu mesmo minhas próprias críticas, evidentemente, e elas se concentram principalmente no que penso ser excessivo na trama: o sexo e a fixação entre uns e outros. Não me parece necessário para o êxito da história que haja tanto “chifre” dentro de um mesmo grupo. Embora isso seja possível na vida real, quando se trata de teledramaturgia, parece-me exagerado. O sexo brota do nada às vezes. Gratuitamente. As pessoas perdem o controle com demasiada facilidade. Tenho cá minhas dúvidas se na vida isso se dá tão amiúde, especialmente entre amigos. O mesmo vale para a fixação. Os millennials do mundo real vivem os chamados “amores líquidos”. Não se fixam tanto em suas relações. O caso de Juanma e Flor é contraditório nesse sentido. É preciso que Flor machuque Juanma profundamente e machuque-se a si mesma para que o casal finalmente se dê conta de que deve se separar definitivamente, para o bem dos dois. Alma e Rodri também forçam a barra para manter uma relação morna.

Juanma e Flor: uma relação sem futuro.

Fato é que sexo indiscriminado e fixação em pessoas são elementos dramáticos poderosos. Não se pode esquecer que essas séries têm forte componente comercial e precisam explorar a beleza dos personagens nus e seminus para manter vivo o interesse dos mais fogosos. Paixões mal resolvidas também prendem a atenção de parcela do público, especialmente o mais romântico. Naturalmente, entre as telespectadoras e os telespectadores da série, há muitos millennials, distintos entre si.

Um indiscutível ponto positivo para “Millennials” é o fato de sua direção artística resistir a tomadas turísticas de Buenos Aires. A cidade aparece, é personagem fundamental, mas nunca se vê o Obelisco, nem a Calle Florida, nem mesmo o elegante bairro da Recoleta. Não se mostra show de tango, nem passeios por El Caminito. Não há sequer menção ao futebol, uma paixão nacional, tão forte lá quanto cá. De vez em quando, vêem-se imagens de Puerto Madero, mas tudo devidamente contextualizado. Até mesmo o bairro de Palermo se mostra de maneira discreta, sem que se possa saber exatamente onde as personagens estão (a menos que a telespectadora ou o telespectador seja um/a portenha/o bastante conhecedor de suas ruas e praças). Diferentemente das telenovelas brasileiras, que fazem questão de escancarar os principais e surrados cartões postais do Brasil, “Millennials” é mais sutil e, por isso mesmo, mais envolvente e elegante nesse aspecto. Até as tomadas aéreas de Buenos Aires poderiam ser imagens de qualquer metrópole semelhante. A alma da cidade está mesmo nas pessoas, em seu sotaque e em suas gírias, em seu jeito de ver, pensar e viver.

Esse quase anonimato contribui para que “Millennials” possa alcançar jovens de qualquer parte da América Latina e do mundo. Jovens comuns. Jovens com dramas íntimos. Não jovens que flanam por pontos turísticos preocupados em fazer compras ou tirar fotos ou demasiadamente vinculados a problemas específicos de seu “habitat natural”. Ari, Benja, Alma, Rodri, Flor e Juanma vivem mais dentro que fora. Não por acaso, quase toda a trama se passa no interior do coworking ou nos apartamentos dos protagonistas. O verdadeiro drama deles está na cabeça e no coração: “O que diabos fazer da minha vida? O que realmente quero para mim? O que sinto é amor, paixão ou apenas desejo?”

Em meio aos pontos positivos e negativos da série, algo se destaca: o carisma dos personagens. É preciso ser muito mal-humorado para não se deixar conquistar por Ari, Benja, Alma, Flor, até mesmo pelo complicado Rodri ou pelo surpreendente Octavio. Impagáveis também são o vigilante Alberto (Chang Sung Kim), o jovem Facu e até a perversa Gaby (Luisa Drozdek). Depois de 42 episódios, confesso que eu já estava completamente encantado por essa gente. Que venha uma terceira temporada!

Octavio e Facu: patrão e empregado surpreendentes.
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