Quo vadis, COVID?

Sobrevivi à COVID-19. Em um mundo que tem hoje, segundo a Organização Mundial da Saúde, 33.842.281 de casos confirmados e 1.010.634 vítimas fatais da doença, pertenço à maioria que se recupera do ataque do novo coronavírus. Vivi para contar, e é isso o que pretendo fazer a seguir.

Para quem não sabe, a COVID-19 é uma doença traiçoeira. Ela não tem comportamento fixo, tampouco estável. Varia de pessoa para pessoa e costuma promover uma súbita reviravolta no quadro clínico, geralmente na segunda semana pós-infecção. Comigo foi assim. Lá pelo décimo dia, quando já estava seguro de que teria apenas uma versão moderada da doença, ela atacou meus pulmões. Tive uma crise de falta de ar no meio da noite. A sensação de poder morrer sufocado apavora. A gente respira que nem sente, mas, quando falta ar, é como se cada inspiração fosse uma árdua conquista. Essa foi certamente uma das experiências mais agoniantes por que já passei. Felizmente, consegui superá-la. De qualquer forma, no dia seguinte, por orientação médica, fiz uma tomografia que demonstrou: a COVID-19 tinha afetado 15% de meus pulmões. A partir dos 25%, o quadro é realmente grave.

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Claro que nem todo mundo passa por isso, mas o risco existe. Convém estar preparado. Porque segui rigorosamente as orientações médicas, meu quadro melhorou em alguns dias. Fiquei isolado em casa. Não saí para nada. Aprendi a fazer supermercado pela internet, a cozinhar, a vencer a preguiça para lavar a louça e trocar a roupa de cama. Claro que tomei remédios. O mais comum deles, para casos como o meu, é a Azitromicina. Nenhum dos médicos com quem estive receitou a polêmica Hidroxicloroquina.

Uma médica acompanhou meu caso desde o primeiro dia. Depois, o médico que me pediu a tomografia dos pulmões receitou três medicamentos. Finalmente, um pneumologista aumentou a dose dos mesmos remédios e prescreveu mais dois. Essa junta médica também estava de acordo sobre eu ingerir muito líquido, pelo menos 3 litros por dia. Fiz isso e também comi direito. Só tive falta de apetite nos primeiros dias da doença. No restante do período de licença médica, estava até me alimentando bem.

Senti-me febril nos quatro dias iniciais. A dor de cabeça durou mais tempo. A fadiga, sim, me derrubou. Fiquei prostrado por uma semana. Não tinha força para nada. Curiosamente, os sintomas mais comuns e exóticos da COVID-19 não se manifestaram em mim em nenhum momento: perda do paladar e do olfato. Eu tampouco tive diarreia. Como já disse, essa doença varia de pessoa para pessoa.

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Acertei em cheio ao comprar um novo umidificador de ar. No clima seco da cidade onde moro, ele fez e faz toda a diferença. Eis um item obrigatório para quem tem COVID-19. Alguns médicos recomendam ter em casa também um oxímetro. Ele verifica quanto de oxigênio o sangue está transportando. Não é barato, mas é algo que se pode pedir emprestado. Não comprei nem peguei emprestado porque, nas consultas, aferiam-se meus sinais vitais, e eles estavam sempre dentro dos padrões. De qualquer forma, quem tiver COVID-19 e puder ter um oxímetro em casa deve tê-lo.

Quando a pior fase passou, consegui ler bastante. A leitura me ajudou a esquecer a doença. O mesmo vale dizer sobre filmes e séries na TV. A pessoa precisa relaxar. A ansiedade dificulta a respiração. A COVID-19 tem certa atração pelo aparelho respiratório, então, muitas vezes, ela o assedia sem dó nem piedade. Nos momentos mais difíceis, eu costumava comparar a ação do novo coronavírus a um maçarico. Isto mesmo: a sensação era de algo estar se queimando dentro de mim quando eu tentava uma respiração profunda. Até hoje, sinto que não estou com fôlego suficiente para fazer tudo o que eu fazia antes da doença. A médica me disse que isso é normal. Durante um mês, mais ou menos, continuarei com a respiração um pouco comprometida.

Outro incômodo bastante comum em quem tem COVID-19 é a tosse. Ela também varia de pessoa para pessoa. Há pacientes que têm crise de tosse. Tive algumas. Nenhuma insuportável. Mas há quem tussa até sentir dor no peito. Mesmo curado há mais de uma semana, ainda tusso um pouco. Isso também é normal.

Coronavírus: muito além dos pulmões | Veja Saúde

Sabe o que é pior? A incerteza. Essa é uma enfermidade pouco conhecida. Volta e meia, aparece uma novidade sobre ela, geralmente ruim. A princípio, acreditava-se que, uma vez curada da COVID-19, a pessoa estava imune à doença. Agora já se sabe que há a possibilidade de reinfecção. São poucos os casos no mundo, mas o risco existe. Ponto.

No alvorecer das descobertas sobre o novo coronavírus, acreditava-se também que as crianças corriam pouco risco de infecção. Hoje se sabe que a COVID-19 não as poupa. Estima-se em duas semanas o tempo em que a doença domina a pessoa, mas observei que esse período varia em cada paciente. Precisei de 20 dias para me recuperar. Uma prima, de apenas uma semana. Como saber?

A própria vacina, quando estiver disponível, não trará garantias. Se o vírus passa por mutações, pode ser que ela só resolva parte do problema, isto é, imunize as pessoas apenas contra uma variedade do “coronga”. Repito a pergunta: como saber?

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Os negacionistas gostam de usar as incertezas relacionadas à COVID-19 como desculpa para descumprirem o protocolo de prevenção à doença. Então, subestimam a importância do uso de máscaras, da higienização das mãos e do distanciamento social. O argumento fajuto é mais ou menos o seguinte: já que ninguém tem certeza de nada sobre a COVID-19, para que perder tempo e dinheiro tentando enfrentá-la? Esse raciocínio infantiloide e soberbo deve estar contribuindo bastante para que a pandemia siga tirando vidas. O justo será que esses negacionistas fiquem no fim da fila para tomar a vacina quando ela estiver disponível. Não são imbatíveis?

Quem passou maus bocados com a COVID-19, como eu, sabe que não se pode subestimar essa doença. É verdade que a maioria se recupera, mas quem quer apostar nisso? Quem quer se arriscar nessa espécie de roleta russa? Quo vadis*, COVID? Ninguém sabe. Posso testemunhar que a COVID-19 é uma das experiências mais desagradáveis que uma pessoa pode ter. Desprezar seu potencial de destruição é no mínimo irresponsável. Convém ter ao menos empatia diante do perigo. Sobrevivi à COVID-19 e torço para que todas as pessoas com essa enfermidade também a superem. Se é para engrossar as estatísticas, que seja as dos sobreviventes.

*Quo vadis, em latim, significa “aonde vai”.

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