Tempo, trampo e desencanto.

Uma hora, a gente se cansa. É muita luta. O mundo não para. A gente não para. Não sobra tempo nem sequer para pensar no que a gente tanto faz e por que faz tanto. Se ao menos esse trabalho todo mostrasse resultados que nos entusiasmassem, não seria tão mal. Só que, muitas vezes, a luta pela sobrevivência tem fim em si mesma. Não traz nada de mágico, sobrenatural, fantástico. Isso gera um desencanto!

 

“The Sower with Setting Sun”, 1888, Vincent van Gogh.

 

Pessimismo? Um pouco. Evidentemente, enxergo as cores da vida. Nem tudo é cinza. Reconheço que há momentos de prazer. A questão é: por que eles são tão pouco frequentes? Ou, dito de outra forma, por que não são muito mais frequentes? Arrisco um palpite. O ser humano organizou-se em função da própria sobrevivência. Comer, beber, vestir-se, além de alimentar e criar a prole, obrigaram a humanidade, em algum momento, a “ir atrás”, a ganhar o pāo com o suor do próprio rosto. Ao lazer restou o tempo que sobrou da luta pela subsistência.

Sim, estou ciente de que há gente que sente prazer no esforço diário pelo próprio sustento e o sustento daqueles que mantém. Em outras palavras, há quem encontre prazer no trabalho. Nesse caso, o lazer vem somente complementar a satisfação da labuta. Felizes esses! Estou certo, porém, de que não são a maioria. Quem, por exemplo, precisa madrugar, assear-se, vestir-se, comer algo e caminhar ou correr até um ponto de ônibus para deslocar-se ao trabalho onde um chefe severo passa o dia fazendo cobranças, tem sentimento bem diferente.

 

“Harvest in Provence”, 1888, Vincent van Gogh.

 

Claro está que associo lazer e prazer ao mesmo tempo em que admito a existência de muitas pessoas que encontram prazer no trabalho, embora elas não sejam maioria. Esse é o resumo do que afirmei até aqui. Agora, retomo ideias do primeiro parágrafo deste texto para explorá-las melhor.

Afirmo que a gente se cansa. Mesmo os que gostam do próprio trabalho se cansam física e mentalmente. Amam as férias. Há, porém, um cansaço mais profundo, por assim dizer. É o cansaço da luta diária pela sobrevivência em um mundo injusto. É o cansaço diante de um estilo e de um ritmo de vida estressantes. Independentemente de se gostar ou não do próprio ofício, esse tipo de fadiga aparece mais cedo ou mais tarde.

O fato de trabalhar muito — como a maioria das pessoas que conheço — também pode gerar desencanto se quem se esforça não vir resultados práticos de seu empenho, se não sentir que o fruto de seu suor faz alguma diferença. Outro fator de desencanto que tenho observado é a falta de tempo para se refletir sobre o próprio trabalho: o que faço vale a pena, a forma como executo minhas funções é a melhor, por que tomo sempre esse tipo de decisão e não ouso mais? Há numerosas indagações possíveis.

 

“Vincent’s Chair with his Pipe”, 1888, Vincent van Gogh.

 

Acredito que, com este artigo, desagradarei àqueles que amam sua profissão e a exercem com êxito e alegria (não necessariamente nessa ordem). Poderão argumentar que nunca sentem esse desencanto a que me refiro porque gostam do que fazem e sentem tanto prazer no trabalho quanto no lazer. Cansam-se, realmente, mas acham que o cansaço compensa. Está bem. Acredito nisso. De qualquer forma, desafio qualquer uma dessas pessoas a fazer uma autoanálise profunda e a se indagar se continuariam trabalhando tanto se ganhassem muito dinheiro em uma loteria. Alguns diriam que jamais deixariam de trabalhar, e eu responderia com mais perguntas: do mesmo jeito, a mesma quantidade de dias e horas? Duvido! Poderia até haver exceções, mas essas confirmariam a regra. Essa, pelo menos, é minha aposta.

Aceito contribuições a esta breve reflexão, concordantes ou discordantes. Meu objetivo com este blog nunca foi lançar ideias feitas, imutáveis. Gosto de ouvir contrapontos, críticas e, claro, elogios também, sobretudo se bem fundamentados. Até breve!

 

 

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