Por muito tempo, ao longo de minha carreira, obtive empregos sem precisar passar por entrevistas formais. Claro que, um dia, acabaria por viver essa experiência. Aliás, mais de uma vez. Na maioria, creio que me saí mal. Mesmo aprovado nas etapas de avaliação de currículo e de teste escrito, na hora de enfrentar a banca examinadora, fiquei para trás. Hoje, suspeito do porquê.
A maioria das entrevistas de emprego das quais participei obedecia a um modelo de avaliação. Os entrevistadores esperavam a resposta X para a pergunta Y, ou seja, tinham expectativas pré-estabelecidas bem fechadas, às vezes rígidas. Quem as satisfizesse teria mais chances de ficar com a vaga. Muitas vezes, simplesmente não satisfiz essas expectativas. Em breve, explico por quê.
Antes, preciso abrir um parêntese. Com este depoimento, não quero dizer que me considero sempre a melhor opção para os postos aos quais me candidato e que desconsidero a hipótese de outros terem melhores qualificações, postura, discernimento, capacidade de expressão etc. Respeito a concorrência. Fecho parêntese.
Houve, de fato, casos em que ficou claro para mim: a entrevista me excluiu do processo seletivo. Uma vez, cheguei a ficar de fora da primeira entrevista e, dias depois, receber convite para participar da segunda (a definitiva). Acabei eliminado. Será que a banca ficou indecisa diante do aparente paradoxo: currículo perfeitamente adequado à função, recomendações profissionais de peso, experiência respeitável na área, mas desempenho duvidoso na entrevista?
Eis minha explicação para o fato (ou deveria chamá-la de teoria?): sou franco, sincero, não costumo representar. Ademais, gosto de pensar “fora da caixinha”, como se diz. Exceto pelos tradicionais paletó e gravata, não me porto comme il faut nas entrevistas, isto é, digo o que penso, expresso minhas idéias, sem me preocupar se as respostas às perguntas encaixam-se ou não em um padrão ou expectativa.
Há até vezes em que, mentalmente, avalio quem me avalia. Fico pasmado por responder questões redundantes para quem supostamente leu com a devida atenção meu CV e minha carta de apresentação. Mesmo que haja a intenção de me testar psicologicamente mediante perguntas aparentemente dispensáveis, ainda assim vejo ir para o beleléu o mínimo de objetividade possível e desejável nessas ocasiões.
Estão ali, diante de mim, pessoas que mal percebem o quanto seus olhares e gestos denunciam a subjetividade daquela avaliação. Há mesmo algumas que me fazem perguntas que elas próprias, no meu lugar, teriam dificuldade em responder.
Ora, se meu CV não é fictício — e isso, nos casos em que relatei, seria impossível, até porque já me candidatei a postos em lugares onde já havia trabalhado! — claro está que tenho as habilidades exigidas para a função. Mas noto que os examinadores parecem ter preferência por quem “se vende” bem, faz autopromoção. Eis onde perco mais pontos, pois acho patético ficar se gabando das próprias qualidades ou tentando provar segurança quando o simples fato de ter me candidatado e me apresentado ali comprova que me julgo digno da vaga.
Suspeito também de que minha franqueza assusta. O raciocínio baseado no óbvio é fatal: “Ora, se esse sujeito se expõe dessa maneira agora, poderá fazer o mesmo quando trabalhar aqui. É um indiscreto, um boquirroto, um imaturo ou, no mínimo, não se preparou bem para esta entrevista”.
Será mesmo? Será que o candidato não está simplesmente respeitando a inteligência do entrevistador e evitando perder tempo com uma óbvia encenação? Será que ele não prefere responder perguntas que fujam do que já está mais do que provado em seu currículo? Será que ele não está apenas em um mau momento?
Também desconfio de que minha objetividade espanta muita gente. Gosto de respostas diretas. Com isso, às vezes, cometo o sacrilégio de me comportar como se estivesse transmitindo a seguinte mensagem: “Tenho pouco a dizer além do que está no meu CV e em minha carta de apresentação. Se a questão é psicológica, quem tem mau caráter sabe disfarçá-lo. Um desequilibrado emocional também pode ser capaz de representar. Ninguém é perfeito — apenas nas entrevistas de emprego. Portanto, contrate quem tem a hombridade de mostrar-se como realmente é. Ao menos, você, entrevistador, não terá surpresas desagradáveis no futuro por ter contribuído para a contratação do melhor ator do mercado, não necessariamente do melhor profissional para sua organização.”
Só que os atores, sobretudo se possuem qualificações suficientes, sempre se saem melhor e ficam com a vaga. Como eu mesmo, nas vezes em que, por acaso ou por esforço, entrei no jogo e interpretei o papel do profissional ideal — ou nas ocasiões em que tive, diante de mim, dirigentes sagazes que enxergaram além das aparências e pensaram “fora da caixinha”. Esses sabem que lhes retribuí a confiança com extrema dedicação, lealdade, empenho, comprometimento.
Justamente por ser “exótico” ou diferente ou estranho — cada caso é um caso… — pude empregar essa singularidade de maneira a ser criativo no trabalho, buscar soluções alternativas, abrir novas frentes.
Felizmente, graças aos postos que ocupei porque alguém confiou no próprio instinto ou em minha produção anterior, nunca me faltou trabalho. Só lamento verificar que, tal como ocorreu comigo algumas vezes, também ocorre amiúde, com tantos outros profissionais, a desagradável experiência de ver-se excluído porque não rezou pela cartilha nem seguiu à risca a etiqueta dos processos seletivos, os quais, via de regra, só podem avaliar um momento da pessoa, não quem ela realmente é (até porque, em cerca de 40 minutos, ninguém conhece ninguém de verdade).
Na mesma sintonia estão alguns concursos públicos dos mais respeitados, que acabam por aprovar parcela considerável de pessoas despreparadas porque elas tiveram tempo e dinheiro (geralmente dos pais) para aprender os macetes que se ensinam nos cursinhos e passar nas provas — como nos velhos e antiquados vestibulares.
Encerro este artigo com uma lembrança que acaba de me ocorrer (cômica, por sinal). Conta-se que o ator Charlie Chaplin disputou concurso que elegeria quem mais se parecesse com Carlitos (justamente o personagem dele no cinema). Para sua surpresa, outro sagrou-se vencedor. É…