Demorei a descobrir os prazeres do futebol. Era um tanto nerd na infância e em parte da adolescência. Tinha algo de colonizado também. Achava que futebol era esporte brasileiro demais, tupiniquim. Naquela época, eu queria ser inglês. Não sabia, claro, que os ingleses inventaram o futebol. Ter preconceito dá nisso.
Só na maturidade, dei-me conta do óbvio: o futebol é um dos maiores fatores (se não o maior) de socialização entre os homens. Não. Não é mulher. Um homem casado e fiel à esposa pode ficar constrangido se ouvir um comentário malicioso sobre uma garota no escritório ou na academia. Jamais se sentirá embaraçado se o tema for futebol. Mesmo que não aprecie o esporte.
Tive mais uma prova do poder agregador do futebol quando, pela primeira vez na vida, pisei um lugar público vestindo a camiseta do meu time. Entrei na academia orgulhoso de minhas listras rubro-negras. Em poucos minutos, uns e outros puxaram assunto comigo. Comentaram o resultado do jogo mais recente. Elogiaram ou criticaram o desempenho de jogadores. E lá estava eu, mais integrado do que nunca, surpreso ainda por ingressar, instantaneamente, numa irmandade até então insuspeita para mim: a dos fãs de futebol.
Mesmo a torcida adversária solidariza-se com mais um amante do esporte. Afinal, que graça teria se não se pudesse zombar dos outros times? Dentro de certa medida, a troça contribui para a emoção de quem torce. Isso ficou mais nítido para mim quando, além de me sentir integrado junto aos demais fãs do meu time, notei também a aproximação dos que gostam de esculhambá-lo. Torcedor é tudo farinha do mesmo saco.
Você pode ser brilhante no que faz. Pode ter livros publicados. Pode ter visitado metade do planeta. Pode falar dez idiomas. Via de regra, no meio social masculino, o máximo que você vai conseguir com isso é respeito e admiração. Ótimo. Parabéns. Mas socializar para valer independe de conquistas como essas. No Brasil e em muitos países, nada socializa melhor os homens do que o futebol. Seja como assunto, seja como prática (a famosa “pelada”), o futebol permite um nivelamento, uma horizontalidade, uma democracia raros em outros campos.
Faz sentido. Ganhar ou perder no futebol (e na maioria dos esportes), ao menos para quem torce, é algo que independe da pessoa. Você pode ser um gênio ou uma besta quadrada, isso não faz diferença para seu time. A vitória depende dele, não de você. O máximo que você pode fazer é torcer, vibrar, gritar bem alto para dar apoio moral aos jogadores em campo. Mesmo assim, seu time pode perder. Isso vale para todos.
Pouco importa se você é o Eike Batista ou um mendigo, se é Stephen Hawking ou o pior aluno da faculdade, se tem físico de modelo ou cara de jumento. Seu time pode ser o campeão brasileiro, ganhar a Libertadores da América, abocanhar até o Mundial de Clubes. No jogo, seu patrão pode levar a pior sempre. Da mesma forma, você pode ser um excluído social e, ainda assim, seu time não ter pena de você e despencar para a segunda divisão. Quem torce não pode muito. Daí haver tantos “sofredores”.
Aprendi tarde as lições do futebol. Tarde, mas não tarde demais. Ainda bem. Além de fator de socialização, o futebol pode ensinar a perder — quem for aberto a aprender, é claro. Na torcida, você vive uma espécie de ensaio. Testa suas emoções. Aprende a domesticá-las. Quem não faz isso (e são muitos, infelizmente) perde a cabeça. Se ganha, humilha. Se perde, agride. O torcedor sadio diverte-se ao mesmo tempo em que faz catarse.
Hoje meu time perdeu. Aliás, o futebol pode ser engraçado. Na verdade, meu time não perdeu. Ele ganhou a partida, só que perdeu o campeonato. Dependia do empate de dois outros times para avançar na competição. Foi por pouco! Em segundos, viveu o céu e o inferno, viu o sonho realizar-se e esfacelar-se. Foi uma pena! Fiquei triste. Mas não sofri, não sofro por muito tempo. Talvez por ter aprendido tarde a gostar de futebol, não tenha me tornado um torcedor fanático.
Compreendo a frustração dos jogadores — afinal, nadaram e morreram na praia. Compreendo até a frustração dos demais torcedores. Só que, sinceramente, para mim, esporte é isso mesmo. Não dá para ganhar sempre. Entre tantas equipes, só há espaço para um campeão.
Bem… Eis aí meu pequeno nerd voltando à tona! Tudo certo. Ele me ajuda. Traz de volta a razão ao campo da paixão. Por mais apaixonado que seja um fã, ele precisa ter noção de limite, precisa saber ganhar e perder. Acho que eu sei.
A história do futebol continua. A história do meu time continua. Minha história continua. Gosto de ser apenas mais um entre os cerca de 30 milhões de rubro-negros, tristes hoje, alegres amanhã, cúmplices sempre.