Jovens deste Brasil varonil e de outros lugares do globo têm sido responsabilizados pela segunda onda da pandemia de COVID-19. Não me surpreende. Um rápido passeio de carro pela porta de bares da cidade onde moro basta para convencer qualquer pessoa de que a juventude em geral está se lixando para a disseminação do novo coronavírus.
Há também as festas clandestinas e as casas noturnas que abrem suas portas às escondidas. Estão todas cheias — de vastíssima maioria de jovens. Nesses lugares, ninguém quer saber de máscara, de álcool em gel e muito menos de distanciamento social. Afinal, está todo mundo ali para interagir. Dali, muita gente sai para casa ou para o motel, onde geralmente faz sexo com uma pessoa que acabou de conhecer ou que, no mínimo, também está pouco se importando com a pandemia.
Quando o dia amanhece, essas e esses jovens animados normalmente retornam para casa, ou melhor, para a casa da mãe e do pai, que não raramente pertencem ao grupo de risco. Mesmo que tomem banho e troquem de roupa, essas moças e rapazes podem ter contraído o “coronga” e, assintomáticos, o transmitirem aos demais membros da família. Até porque, em casa, ninguém usa máscara. Essa é a verdade.

Compreendo que as pessoas, sobretudo mais jovens, estejam cansadas de ficar em casa. Muita gente não aguenta mais ver TV, ler, participar de lives, webinars e cursos a distância. A carência de diversão e, claro, de sexo está nas alturas. Chega um momento -mais cedo para uns que para outros – em que essas pessoas chutam o balde. Já ouvi tantos “dane-se”, “foda-se”, “e daí?”! A rebeldia está a mil, e não adianta ponderar. Não há espaço para a razão. O impulso assumiu o controle.
Diante desse quadro, venho refletindo sobre a questão das privações. Fico pensando no que as bisavós e bisavôs de muita gente enfrentaram durante a Segunda Guerra Mundial. O confinamento era radical, e não havia, naquela época, atenuantes como os confortáveis serviços de streaming para vídeos, séries, filmes, música; de entrega de comida em domicílio via aplicativo; de jogos online, enfim todos os benefícios que a tecnologia oferece hoje em dia. Mesmo os segmentos economicamente vulneráveis da população têm mais conforto, atualmente, que a classe média alta das cidades bombardeadas na Segunda Grande Guerra.
Peço atenção a estes depoimentos de sobreviventes da segunda conflagração mundial:
“Esta manhã, pela primeira vez, vi um avião abatido. Ele caiu lentamente das nuvens, embicado, como um alvo que tivesse sido baleado lá no alto. Uma euforia incrível entre as pessoas que assistiam a ele, intrigadas com a pergunta: ‘Tem certeza de que é alemão?’. Tão enigmáticas são as instruções dadas, e tantos os tipos de avião, que ninguém sequer sabe quais são os aviões alemães e quais são os nossos. Meu único palpite é que, se um bombardeiro é visto sobre Londres, deve ser alemão, enquanto um avião de combate é mais provável que seja nosso.” (George Orwell, escritor, autor de 1984 e Revolução dos Bichos, residente de Londres, 15 de setembro de 1940)

Já pensou ver um avião cair do céu após um bombardeio? Nada mal, não é mesmo?
“Vimos um grupo de soldados vindo dos quartéis correndo a toda em nossa direção e, logo em seguida, uma fileira de bombas caiu atrás deles, derrubando-os todos no chão. Ficamos imersos em uma nuvem de poeira e tivemos que correr que nem loucos para fechar todas as janelas. No meio tempo, um grupo de soldados havia entrado em nossa garagem para se esconder. Eles foram totalmente pegos de surpresa, e a maioria deles não tinha sequer uma arma ou qualquer coisa parecida.” (“Ginger,” moradora de Pearl Harbor, 7 de dezembro de 1941)
Soldados, bombas, nuvem de poeira. Não havia máscaras coloridas para proteger as pessoas da fumaça e do pó.
Só mais um depoimento:
“Estamos morrendo que nem moscas aqui por causa da fome, mas ontem Stalin deu mais um jantar em Moscou, em homenagem a (embaixador britânico, Anthony) Eden. Isso é ultrajante. Eles enchem a barriga lá, enquanto nós não temos sequer um pedaço de pão para comer. Eles brincam de anfitriões, fazendo recepções pomposas, enquanto nós vivemos como homens das cavernas, como toupeiras cegas.” (Lena Mukhina, moradora de Leningrado, atual São Petersburgo, 3 de janeiro de 1942)
Quem tiver interesse em ler mais testemunhos como esses, pode encontrá-los na reportagem “Uma era de extremos: 10 relatos chocantes de quem encarou a Segunda Guerra Mundial“, publicada pelo UOL.

A brava gente jovem brasileira destes tempos é Nutella. Faltam heróis e heroínas de raiz. Ninguém suporta nada. A mínima privação é causa de chilique. Fora os miseráveis de sempre, que com alguma sorte (sim, ter trabalho virou sorte) acabam atuando como garçons e garçonetes da turma sem máscara, ninguém hoje sabe o que é fome, sede, dor sem remédio, abstinência sexual. Privação é palavra desconhecida no dicionário da jeunesse dorée deste imaturo século 21.
O que hoje se chama sacrifício seria “café pequeno” para as bisavós e bisavôs de quem, na atualidade, só ouve falar de guerra na televisão. Na verdade, muita gente não chegou a fazer sacrifícios ao longo destes meses de pandemia. Simplesmente abriu mão da própria segurança e da de outras pessoas para aproveitar a vida. Justificativa? Saúde mental. Às vezes, nem justificativa há, mas tão-somente a ousadia de quem brinca de roleta russa. Enquanto isso, a pandemia segue tirando vidas, lotando hospitais, derrubando a economia. Haja vacina!
Falou tudo.
Valeu!
Parabéns pelo primoroso texto, infelizmente é a mais pura verdade e realidade!!
Infelizmente é a pura verdade…. geração de mimados que não tem um pingo de respeito pela própria vida e muito menos pela do próximo